Um novo Diogo Nogueira
Em seu novo CD – e DVD – ao vivo, o cantor e
compositor dá uma guinada na curta carreira
Diogo Nogueira acaba de lançar seu novo CD, Sou Eu, gravado ao vivo em show que resultou também num DVD. Quem conhece Diogo, filho do grande João Nogueira, e acompanha sua curta mas intensa carreira, sabe de duas coisas: sua voz tem um timbre naturalmente parecido com o do pai; ele não se esforçou nem um pouco para disfarçar a semelhança e fugir das comparações. Seu repertório de show e do primeiro CD é marcado por sucessos de João, lançados nos anos 70 e 80, mas ainda vivos na memória dos mais antigos. Assim como acontece com Maria Rita, a filha de Elis, não houve crítica que não abordasse a semelhança e as diferenças entre pai e filho. A lembrança do pai famoso é uma faca de dois legumes, como supostamente dizia Vicente Matheus, o folclórico presidente do Corinthians, já falecido. Se de um lado funciona como um impulso inicial para a carreira, age também como freio, pois as comparações dificilmente beneficiam o filho. E a crítica é implacável com os deslizes do novato, permanentemente depreciado diante do peso massacrante da figura paterna – ou materna.
Pois bem, Diogo não só tirou de letra essas questões como esperou o momento certo para romper o elo genético-artístico. Em seu novo disco só o vozeirão lembra João – está um pouco mais denso que nos primeiros trabalhos, o que lhe confere maior semelhança com o pai. No mais, o repertório – recheado de antigos sucessos de velhas paradas – e o caminho que Diogo parece estar traçando para sua carreira fogem do modelo paterno. Diogo se prepara para se tornar um superestar do samba e da MPB. Um cantor das massas. Nesse sentido, Sou Eu é um disco comercial. Foi feito visando romper as fronteiras restritas do chamado samba de raiz e do universo lapeano. O CD não tem traço do pai. É puro Diogo. Se lembra alguém, é Benito de Paula em seus melhores momentos.
Diogo: novo CD ao vivo
Com Tô Te Querendo (Xande De Pilares/Adalto Magalha/ Almir Guineto), Diogo arrasta a sandália num forró entre o pé-de-serra e o universitário, seguindo uma tendência de mercado que ganhou casas noturnas badaladas e gafieiras tradicionais. Pelo Amor De Deus (Paulo Debetio/Paulinho Rezende), ressuscita o sambão muito bem gravado por Emílio Santiago. Surge o Diogo crooner, com oportunidade de exibir sua voz agradável de timbre nogueriano. Me Leva (Toninho Geraes/Serginho Beagá) é um samba romântico daqueles feitos para o canto coletivo e a exaltação, não para o cantarolar contido da dor-de-cotovelo. Um refrão forte, que não deixa ninguém de boca fechada. Na inédita Razão para Sonhar, uma parceria com Inácio Rios, o arranjo mais pop faz um sambalanço marcado por surdo tradicional à la Originais do Samba, Batucajés e Trio Mocotó. As feras Chico Buarque de Holanda e Ivan Lins aparecem em grande estilo na faixa Sou Eu (Ivan Lins/Chico Buarque), que dá título ao trabalho, com a luxuosa participação dos autores no vocal. Chico reaparece com seu clássico Homenagem ao Malandro.Contando Estrelas lembra as levadas baianas de Nelson Rufino, embora tenha o jamegão do carioquíssimo Ciraninho, multicampeão de samba-enredo na Portela em parceria com Diogo, e autor de vários sambas do bloco ipanemense Simpatia é Quase Amor.
O disco é de sambas em estilos variados, mas com temática redundante: as coisas do coração. Do sambão-jóia dos 70, passando pelos pagodes cariocas dos 80, chegamos aos pagodes mela-cuecas dos 90. Alcione, a Marron, assinaria o repertório. Vestibular Pra Solidão inclui nesse rol o pagodeiro mineiro, com incursões no romântico latino, Alexandre Pires. É o crooner Diogo de volta. Ciraninho reaparece, em parceria com Leandro Fregonesi, no também romântico Amor Imperfeito, outro exemplar saído do universo Alcione, que marca presença numa reverência ao jovem artista, dando sua concha de chá. Do malandro homenageado por Chico, o disco emenda o malandro de Neguinho da Beija-Flor, em Malandro é Malandro, Mané é Mané (sucesso de Bezerra da Silva), da trilha sonora da novela Caminho das Índias. O sambão-jóia se apresenta sem pudores no mega-sucesso de Agepê Deixa Eu Te Amar (Mauro Silva/Camillo/Agepê), regravado aqui com o arranjo original. O samba romântico, que monopoliza o disco, reaparece sem o mel do neo-pagode, mas com o visgo dos bons pagodeiros Almir Guineto e Zeca Pagodinho, no lindo Lama nas Ruas, regravado com um sublime arranjo de cordas. Tô Fazendo A Minha Parte (Gilson Bernini / Flavinho Silva) retoma o estilo caciqueano do pagode dos anos 80, que prossegue nos empolgados Da Melhor Qualili (Serginho Meriti/Claudinho Guimarães) e A Vitória Demora Mas Vem (Juninho Thybau/Anderson Baiaco/Luiz Café). Fecha o disco uma faixa bônus que não consta do DVD, o estranho no ninho Pra que Discutir com Madame, um antológico samba sincopado de Haroldo Barbosa (com Janet de Almeida) dos anos áureos da música brasileira, marcado por sua inclusão no repertório exigente de João Gilberto. Como o disco será recebido pela crítica é coisa de se pagar para ver. Mas uma coisa é certa, Diogo tem coragem, sem temor de ser pop e, sem ter mais “o velho” pra lhe tirar o medo, meteu os peitos na empreitada. O DVD tem 23 faixas, sete a mais que o CD, incluindo uma seleção de três clássicos do samba-enredo.
VEJA.COM 02/11/2010
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