segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

JUAREZ DA CRUZ

Carnavalesco imortal



Por Julio Cesar Cardoso de Barros



A Escola de Samba Mocidade Alegre, de São Paulo, foi fundada em 24 de setembro de 1969, mas começou a nascer no início dos anos 50, quando um grupo de foliões começou a brincar o carnaval num bloco de sujos. Entre eles, Juarez da Cruz, fundador da escola, falecido no dia 3 de março de 2009, aos 78 anos. Deve-se a ele o fato de as escolas paulistanas apresentarem hoje um espetáculo que visto pela TV quase nada fica devendo aos desfiles da Marquês de Sapucaí, no Rio.

    Mocidade Alegre: revolução no Carnaval Paulistano com belas alegorias 


Juarez chegou a São Paulo no Natal de 1948, vindo de Campos dos Goytacazes, cidade do norte fluminense com grande tradição carnavalesca. Terra de jongo, do Boi Pintadinho – um raro e peculiar boi de carnaval, tradição fluminense e capixaba –, da Folia de Reis e dos rituais religiosos de origem africana, Campos é também a terra da Mocidade Louca, agremiação que prima pelo esmero das fantasias, fundada quatro anos depois da partida de Juarez para São Paulo, mas que inspirou o nome da escola paulista. Campos é uma cidade de carnaval vigoroso, com uma tradição que vem dos clubes carnavalescos do Século XIX, como o Macarroni e o Tenentes do Diabo. Terra de cordões carnavalescos, como o Estrela de Ouro e o Lira Brasileira, de ranchos famosos como o Flor do Abacate  e o Filismina Minha Nega, de blocos como o Chuva de Ouro e o até hoje atuante Os Psicodélicos (não confundir alguns desses grupos com homônimos cariocas). E dos cordões espontâneos, de jovens que se vestiam com fantasias idênticas e saiam pelas ruas numa versão domesticada do entrudo e do Zé Pereira. Campos tinha também os blocos de sujo (avulsos), hoje praticamente desaparecidos, e ainda exibe as escolas de samba, à moda carioca, além dos já citados bois pintadinhos, que animam a folia desde a primeira metade dos século XX. Os foliões enfeitavam os bondes, invadiam os clubes e coloriam a beira-rio, cruzando os blocos e cordões pela praça São Salvador, a principal da cidade.

Sambistas da Mocidade nos anos 60

 Hoje, esse Carnaval anda enfraquecido, ao ponto de em certo ano a folia ter sido transferida para o mês de abril, para fugir das chuvas de verão. Mas ainda exibe certo vigor, baseado numa forte tradição. Trata-se de uma tradição arraigada naquela gente, que contribuiu com grandes nomes para o carnaval e o samba em particular. De lá saiu Wilson Batista, o rival de Noel Rosa. Silas de Oliveira, o mestre carioca dos sambas-enredo, era filho de campistas. Roberto Ribeiro brilhou como puxador de samba do Império Serrano e fez grande sucesso como cantor nos anos 70 e 80, período no qual gravou uma dezena de discos. Era campista, também, Benedito Lobo, autor daquele que talvez tenha sido o primeiro samba de escola gravado por um cantor do primeiro time. Em 1955, Jorge Goulart gravou seu samba para a Unidos da Capela que dizia: “Ô abre alas/ Ô abre alas/ Deixa o Capela passar/ Escuta o rufar do meu tambor/ O regimento do samba chegou”. Outro compositor campista ligado à Unidos da Capela foi Jorginho Pessanha (1931-1981), que firmou-se no samba na Império Serrano, autor de grandes sucessos, como Hora de Chorar, Tempo de Paz e Favela. Délcio Carvalho, o grande parceiro de Ivone Lara (Acreditar, Sonho Meu), também bebeu água da foz do Paraíba. Aluísio Machado, autor do famoso Bumbum Praticumbum Prugurundum, campeão com o Império em 1982, e vencedor de quatro estandartes de ouro de melhor samba-enredo no Carnaval do Rio, saiu da planície goitacá. Foi desse reduto da folia que veio Juarez.
Encontro de compositores na quadra da Morada do Samba (1974): Sentados: Julio Caqui, o Caqui do Pandeiro), Seu Beto, Talismã, Zeca da Casa Verde, João Dionísio, Odair Fala Macio (Odair Ferreira), China, Califa, Jangada, Osvaldinho da Cuíca, Doca, Julinho, Ideval, Caveirinha, Kazinho. Em pé: Jaburú e, com o pavilhão da Mocidade, Nelí.


No Carnaval de 1950, seguindo uma tradição dos foliões fluminenses, Juarez juntou um grupo de companheiros, entre os quais seu irmão Salvador, e saíram em bloco, todos vestidos de mulher. O famoso bloco das piranhas. Era um bloco de sujos, comum no Rio de Janeiro. A farra durou os quatro dias de folia, dando a largada a uma vida dedicada aos festejos de Momo na capital paulista. Nos carnavais seguintes, o grupo foi engrossando e mais um irmão, Carlos, aderiu ao cortejo. Em 1958, o bloco adotou um nome que ironizava o fechamento dos prostíbulos: Bloco das Primeiras Mariposas Recuperadas do Bom Retiro. Com o crescimento do bloco e a inclusão de uma maioria de paulistanos, Juarez foi obrigado a abrir mão da tradição fluminense de se vestir de mulher e o grupo passou a adotar um tema para a confecção das fantasias: palhaços, gregos, índios. Cada ano, um tema diferente. A mudança permitiu que as mulheres pudessem aderir ao grupo. Mais tarde, Laila, irmã de Juarez, Carlos e Salvador, aderiu à folia. Mas não ficava bem mulher desfilar num bloco cujo nome era Primeiras Mariposas. Precisavam mudar o nome. No Carnaval de 1963, o bloco atropelou a passarela da Avenida São João, onde a Rádio América promovia um carnaval animado pelas escolas e cordões da cidade. O locutor Evaristo de Carvalho descreveu o time como sendo um grupo muito alegre, inspirando os foliões a adotar o nome Mocidade Alegre, unindo o adjetivo do locutor com o nome da escola campista.

Campos, terra de Juarez da Cruz: samba, folclore e Carnaval

Juarez era funcionário dos supermercados Peg Pag, empresa que praticamente adotou o bloco, convocando-o para apresentações e dando-lhe apoio material para os desfiles. Com o apoio da empresa, o bloco participou do carnaval santista, que estava se oficializando, em 1965. O carnaval da Mocidade Alegre era a típica brincadeira de blocos, o que levou a um choque estético com os foliões paulistanos, acostumados com os luxuosos cordões e as escolas de samba, que seguiam a tradição carioca do brilho e alegorias. Ao desfilar de espantalhos, em 1966, o bloco foi ironizado pelos lordes das agremiações da cidade, engalanados em seus veludos e paetês. Em 1967, foi criada a Federação das Escolas de Samba de São Paulo, sob inspiração do radialista Moraes Sarmento, e o Carnaval de 1968 foi oficializado pela prefeitura, sob administração de Faria Lima. A Mocidade virou escola de samba e entrou na disputa. Ficou em quinto lugar no terceiro grupo, naquele carnaval. No ano seguinte, a escola deixou os ensaios na Vila Mariana, onde havia se estabelecido, e mudou-se para um terreno do supermercado, na Pompéia. A escola venceu o desfile de 1969 e subiu para o grupo 2, com o enredo Na Corte de Nero.
A agremiação começou a despertar a curiosidade dos foliões e passou a preocupar os competidores pelo caráter inovador de seus carnavais e pela alegria e empolgação de seus sambistas, que destoava do tom quase solene do carnaval dos cordões, pesados sob o manto de veludo e a tradição dos lordes, reis e rainhas. Em 1970, a escola finalmente encontrou sua residência permanente, a Morada do Samba, na Avenida Casa Verde, no Limão. Levando a coisa muito a sério, Juarez buscou ajuda no Carnaval santista, bastante tradicional, de onde veio a experiência de J. Muniz Jr., um cronista carnavalesco e pesquisador, que abriu para a escola informações sobre a ritualística das agremiações.

Do carnaval carioca, Juarez trouxe o carnavalesco Edson Machado, que se responsabilizou pelas primeiras montagens da escola. Suas alegorias superaram em muito os carros pesadões e pouco criativos com os quais os grupos paulistanos costumavam desfilar. Candeia, o mestre do partido alto e dos sambas líricos da Portela, foi convidado para batizar uma Ala de Compositores, pouco comum na cidade, e passou a ser seu patrono. Outros sambistas da escola carioca e de Santos – onde imperavam ótimas escolas, como a Império do Samba e a X-9 – passaram a visitar, a interagir e a colaborar com a Mocidade. O resultado não podia ter sido melhor. A escola venceu o Grupo 2, em 1970, e foi tri-campeã nos anos seguintes.

Em 1971, os cordões foram extintos e as agremiações dessa tradição se tornaram escolas de samba, o que impediu que a Mocidade prosseguisse nas conquistas sucessivas. Os cordões Vai Vai e Camisa Verde e Branco eram poderosas agremiações e equilibraram as forças na disputa. Redutos de sambistas respeitados, a Bela Vista (Bixiga) e a Barra Funda, retomaram as rédeas do Carnaval, mas tiveram de ceder na sua concepção, adotando carnavalescos mais modernos. Escolas novas, como a Rosas de Ouro, a Acadêmicos do Tucuruvi, a X-9 Paulistana e a Pérola Negra, entre outras tantas, já surgiam dentro dessa concepção de Carnaval implementada por Juarez e pela Mocidade. Foi um processo irreversível de carioquização do carnaval da terra da garoa. A escola voltaria a vencer nos anos de 1980, 2004,  2007, 2009, 2012, 2013 e 2014, mas sua maior vitória foi impor ao carnaval da cidade o seu modelo de desfile. O carnaval perdeu em variedade, os saudosos cordões saíram de cena, mas ganhou em qualidade de montagem.

    Mocidade Louca: esmero nas fantasias


Juarez comandou a escola até 1992, quando passou o bastão para Carlos, que morreu em 1998, deixando sua filha Elaine no cargo. Com Juarez permanecendo como presidente honorário, Elaine tocou o barco até que em 2003 teve de deixar o cargo por problemas de saúde, assumindo sua irmã, Solange, até hoje no comando da escola. Juarez era ainda o conselheiro, sempre presente, quando a escola venceu seu último carnaval, em 2009, com o enredo Da Chama da Razão ao Palco das Emoções, Sou Máquina, Sou Vida, Sou Coração Pulsando Forte na Avenida. O coração de Juarez falhou no ano em que a escola venceu com um enredo que falava exatamente do órgão vital. No dia em que a escola comemorava seu sétimo título no Grupo Especial do Carnaval paulistano, no final de fevereiro de 2009, Juarez da Cruz Bichara, o fundador e presidente de honra da Mocidade Alegre, foi internado num hospital no bairro da Liberdade. Ele passou mal durante a apuração do resultado do desfile e acabou morrendo de parada cardíaca uma semana depois, aos 78 anos. Uma fila de admiradores, parentes, amigos e companheiros de folia se formou na quadra da Avenida Casa Verde, 3498, no Bairro do Limão, para a última homenagem àquele que modernizou o Carnaval da cidade à frente de um grupo de foliões. Juarez partiu, mas há tempos havia criado a estrutura que a sobrinha Solange toca com segurança. O Carnaval paulistano lhe deve o caminho da renovação, da modernização e da organização interna das escolas. Organização que ajudou a levar para a estrutura do Carnaval como um todo. Em 1973, Juarez representou sua escola na fundação da União das Escolas de Samba Paulistanas. Mais tarde, foi presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (1987-89), que ajudou a fundar. Nas seis décadas que se dedicou ao Carnaval paulistano, foi um dos cardeais do samba de São Paulo. Dois meses depois da morte de Juarez, morria em Campos o fundador de sua escola na cidade. Vítima de uma isquemia cerebral, Jorge da Paz Almeida, fundador da Mocidade Louca, baluarte do samba cujo nome batiza a passarela da folia na cidade, morreu aos 93 anos, no dia 7 de maio. Depois de muito tempo correndo atrás do troféu, a Mocidade Louca, a exemplo da Mocidade Alegre em São Paulo, foi campeã do Carnaval campista naquele ano.

Jorge da Paz Almeida: baluarte do samba campista (Foto: Gerson Gomes)


VEJA.COM 27/09/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário