Criado no subúrbio carioca de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, onde nasceu no dia 12 de dezembro de 1936, o
compositor Wilson Moreia traz nas costas uma tradição musical centenária. Sua família
praticava o jongo, uma misteriosa mistura de canto, dança e batuque com um
toque de ritual secreto, que esteve presente por todo o estado do Rio de
Janeiro, parte de São Paulo e Minas e que seus avós cultivaram no Vale do
Paraíba. "Não cheguei a conhecer meu avô. Mas convivi com a Tia Alice, de
Paraíba do Sul, e com mestres como Rufino, Aniceto, Fuleiro e Vovó Tereza. No
Estado do Rio, o jongo ainda é tocado em Machado e Dorândia, lá para
os lados de Piraí", conta, referindo-se a velhos jongueiros do morro da
Serrinha.
Órfão de pai aos 9 anos, trabalhou cedo para ajudar em casa. Foi
guia de cego, engraxate, entregador de marmita, vendedor ambulante e, por fim,
guarda penitenciário, função que exerceu até a aposentadoria. Sua vida no samba
começou cedo, na adolescência participava dos ensaios e desfiles das escolas de
samba do subúrbio onde nasceu, tocando na bateria.
Alcione canta Gostoso Veneno:
Foi um dos fundadores da Mocidade Independente de Padre
Miguel, em 1955, onde integrou a ala dos compositores, foi chefe de alas e
desfilou como passista. Foi bicampeão de samba-enredo da escola - em 1962,
com Brasil no Campo Cultural (com Jurandir
Cândido e Arsênio Isaias) e em 1963, com As Minas Gerais (com os
mesmos parceiros). Depois de "um aborrecimento" na Mocidade, Wilson, amigo de
Casquinha e admirador de Monarco, transferiu-se em 1968 para a Portela dos
amigos, a convite de Natal, o presidente da águia de Oswaldo Cruz. No ano
da morte de Natal, 1975, fundou com Candeia, Nei Lopes, Rubem Confete e outros, o
Grêmio Recreativo de Artes Negras e Escola de Samba Quilombo, em Coelho Neto,
no subúrbio carioca. Convencido de que a escola de samba era uma "árvore
que perdeu a raiz", Candeia deixara a Portela, que julgava descaracterizada, e
com um punhado de companheiros, entre eles Wilson e Nei, fundou uma
escola que surgia como protesto pelos rumos que o samba tomava, com as
alegorias crescendo e escondendo o sambista. Candeia se queixava também da
estrutura autoritária de mando da escola. Certa ocasião, tentou armar uma
reunião para discutir a democratização das decisões, mas o encontro foi
abortado a bala. Deram tiros na casa onde se reuniriam, horas antes do
encontro. Para a Quilombo, Wilson e Nei fizeram um dos mais belos
sambas-enredo da história: Ao Povo em Forma de Arte (1978).
Disco em parceria com Nei Lopes
Wilson trabalhou profissionalmente com cantor na TV Continental,
em meados dos anos 60. Em 1967, gravou seu primeiro disco, um compacto duplo
com as músicas Acossante, Lamento de Preto Velho, Cantando pro Morro e Até breve.
Em 1969, participou do conjunto Os Cinco Só, ao lado de Zuzuca do
Salgueiro, Zito, Jairzinho do Cavaco e Velha. Com Candeia, Velha, Casquinha e
Joãozinho da Pecadora formou um grupo de partideiros para gravar dois álbuns da
série Partido em 5 (1975 a 76). Wilson Moreira tem sambas com Candeia,
Nelson Cavaquinho, Casquinha, Zé Kéti, Grande Otelo e muitos outros
cobras criadas, mas sua parceria mais constante é com Nei Lopes, a quem foi apresentado pelo
compositor campista Délcio Carvalho. Com Nei escreveu, entre outros,
o clássico Senhora Liberdade, gravado e
regravado por grandes nomes da MPB. Com Nei Lopes gravou A Arte Negra de
Wilson Moreira e Nei Lopes (1980) - onde se destacam sambas
como Goiabada Cascão, Coisa da Antiga, Candongueiro, Senhora Liberdade e Gostoso Veneno - e
O Partido Muito Alto
de Wilson Moreira e Nei Lopes (1985), discos
que resumem bem a rica parceria do sambista do Realengo com o bamba do Irajá.
Paulinho da Viola e Zezé Motta cantam Senhora
Liberdade:
Seus sambas foram gravados por gente do primeiro time da MPB. A primeira
gravação foi de Leny Andrade, Antes Assim, em 1956. Depois vieram
outras gravações, com João Nogueira (Batucajé),
Alcione (Gostoso Veneno, com Nei
Lopes), Roberto Ribeiro (Só Chora Quem Ama, com Nei), Zeca Pagodinho (Formiga Miúda, Judia de Mim
e Quintal do Céu, com Nei), Beth Carvalho (Peso na Balança,
Morrendo de Saudade e Goiabada Cascão, com Nei), Clara Nunes (Deixa Clarear e Mulata do Balaio, com Nei) e Elizeth Cardoso (Cidade Assassina, com Nei). Em 1986, o selo Kuarup lançou, dentro da série Grandes
Sambistas, seu primeiro LP solo, Peso na Balança, produzido pelo
japonês Katsunori Tanaka.
Primeiro álbum
Em 1991 saiu seu segundo álbum, Okolofé, um CD para o mercado japonês, lançado em 2000 no Brasil, por
iniciativa do próprio Wilson, que conseguiu liberação para editar sua obra no
país. O disco contou com a participação de um punhado bem grande de amigos do
compositor. Entraram com ele em estúdio Mestre Marçal, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Délcio Carvalho, Nelson Sargento e Guilherme de Brito, além
dos músicos Rafael Rabello, Maurício Carrilho, Paulo Sérgio Santos, Marcos
Suzano, Gordinho e outros tantos. São discos muito bem cuidados, com
arranjos e músicos de primeira.
O Partido Muito Alto
Em 1997, Wilson sofreu um derrame que prejudicou seus movimentos
de um lado do corpo, mas ele se recuperou rapidamente e botou a perna no mundo.
Para tanto, contou com a solidariedade de uma dezena de grandes nomes da nossa
música, que se reuniu para ajudar no seu tratamento. Um show no Teatro João
Caetano, no Rio de Janeiro, atraiu milhares de pessoas, que ouviram
samba a noite toda, cantado por gente do naipe de Paulinho da Viola, Ivone Lara, Zeca Pagodinho e Zé Kéti,
entre outros. Em 2002 ele voltava a lançar um disco solo, pelo selo Rádio MEC,
dedicado às cultura negra com jongos (Jongueiro Cumba), calangos (Forró no Cafundó), congadas (Congada pra Sinhô Rei), mas sem
esquecer o samba de escola, como Além do Centenário. "Sempre me
cobraram um disco no qual eu pudesse, além de mostrar parte de minha produção,
trazer de volta ritmos esquecidos e que são a origem do samba", disse.
Okolofé: primeiro no Japão
Recuperado,
Wilson está ativo como nunca e seu trabalho valorizado, pelo menos do ponto de
vista cultural. Sua mulher, Ângela Nenzy, é o motor por trás dessa
valorização. É dela a idéia, comprada pela prefeitura, de montar o Centro
Cultural Solar Wilson Moreira, num velho casarão da Praça da Bandeira, bairro
de passagem na zona central do Rio. Germano Fehr, dono da casa Traço de União,
reduto do melhor samba em São Paulo, está rodando um documentário sobre a vida
do sambista. No forno, ainda crua, uma biografia. Em fase de captação de
recursos incentivados, um novo CD, Wilson Moreira em Versos e Quadras, e uma nova edição da história em quadrinhos sobre o sambista
escrita por Ângela e desenhada pelo cartunista Ykenga, em 2000. Em outubro,
comemorou com um show no Instituto Moreira Salles os trinta anos de lançamento
do disco A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes. Compositor de ricas melodias, Wilson Moreira é muito estimado
pelos parceiros, fãs e amigos. Boa praça, sua figura forte (o apelido, Alicate,
deve-se ao aperto de mão quase mortal) contrasta com o sorriso
generoso. Nada parece abalar a sua calma. Ele só se queixa dos rumos que a
música de sua cidade tomou: "Esses funks que falam palavrões. É uma
coisa de louco!". O bamba morreu no Rio de Ja eiro, no dia 6 de agosto de 2018, de complicações do câncer de próstata que espalhou pelos rins.
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