segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

WILSON MOREIRA

O grande sambista do Realengo



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Criado no subúrbio carioca de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, onde nasceu no dia 12 de dezembro de 1936, o compositor Wilson Moreia traz nas costas uma tradição musical centenária. Sua família praticava o jongo, uma misteriosa mistura de canto, dança e batuque com um toque de ritual secreto, que esteve presente por todo o estado do Rio de Janeiro, parte de São Paulo e Minas e que seus avós cultivaram no Vale do Paraíba. "Não cheguei a conhecer meu avô. Mas convivi com a Tia Alice, de Paraíba do Sul, e com mestres como Rufino, Aniceto, Fuleiro e Vovó Tereza. No Estado do Rio, o jongo ainda é tocado em Machado e Dorândia, lá para os lados de Piraí", conta, referindo-se a velhos jongueiros do morro da Serrinha. 


Órfão de pai aos 9 anos, trabalhou cedo para ajudar em casa. Foi guia de cego, engraxate, entregador de marmita, vendedor ambulante e, por fim, guarda penitenciário, função que exerceu até a aposentadoria. Sua vida no samba começou cedo, na adolescência participava dos ensaios e desfiles das escolas de samba do subúrbio onde nasceu, tocando na bateria.

Alcione canta Gostoso Veneno:

Foi um dos fundadores da Mocidade Independente de Padre Miguel, em 1955, onde integrou a ala dos compositores, foi chefe de alas e desfilou como passista. Foi bicampeão de samba-enredo da escola - em 1962, com Brasil no Campo Cultural (com Jurandir Cândido e Arsênio Isaias) e em 1963, com As Minas Gerais (com os mesmos parceiros). Depois de "um aborrecimento" na Mocidade, Wilson, amigo de Casquinha e admirador de Monarco, transferiu-se em 1968 para a Portela dos amigos, a convite de Natal, o presidente da águia de Oswaldo Cruz. No ano da morte de Natal, 1975, fundou com Candeia, Nei Lopes, Rubem Confete e outros, o Grêmio Recreativo de Artes Negras e Escola de Samba Quilombo, em Coelho Neto, no subúrbio carioca. Convencido de que a escola de samba era uma "árvore que perdeu a raiz", Candeia deixara a Portela, que julgava descaracterizada, e com um punhado de companheiros, entre eles Wilson e Nei,  fundou uma escola que surgia como protesto pelos rumos que o samba tomava, com as alegorias crescendo e escondendo o sambista. Candeia se queixava também da estrutura autoritária de mando da escola. Certa ocasião, tentou armar uma reunião para discutir a democratização das decisões, mas o encontro foi abortado a bala. Deram tiros na casa onde se reuniriam, horas antes do encontro. Para a Quilombo, Wilson e Nei fizeram um dos mais belos sambas-enredo da história: Ao Povo em Forma de Arte (1978).

Disco em parceria com Nei Lopes

Wilson trabalhou profissionalmente com cantor na TV Continental, em meados dos anos 60. Em 1967, gravou seu primeiro disco, um compacto duplo com as músicas Acossante, Lamento de Preto Velho, Cantando pro Morro e Até breve. Em 1969, participou do conjunto Os Cinco Só, ao lado de Zuzuca do Salgueiro, Zito, Jairzinho do Cavaco e Velha. Com Candeia, Velha, Casquinha e Joãozinho da Pecadora formou um grupo de partideiros para gravar dois álbuns da série Partido em 5 (1975 a 76). Wilson Moreira tem sambas com Candeia, Nelson Cavaquinho, Casquinha, Zé Kéti, Grande Otelo e muitos outros cobras criadas, mas sua parceria mais constante é com Nei Lopes, a quem foi apresentado pelo compositor campista Délcio Carvalho. Com Nei escreveu, entre outros, o clássico Senhora Liberdade, gravado e regravado por grandes nomes da MPB. Com Nei Lopes gravou A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes (1980) - onde se destacam sambas como Goiabada Cascão, Coisa da Antiga, Candongueiro, Senhora Liberdade e Gostoso Veneno - e O Partido Muito Alto de Wilson Moreira e Nei Lopes (1985), discos que resumem bem a rica parceria do sambista do Realengo com o bamba do Irajá.

Paulinho da Viola e Zezé Motta cantam Senhora Liberdade:

Seus sambas foram gravados por gente do primeiro time da MPB. A primeira gravação foi de Leny Andrade, Antes Assim, em 1956. Depois vieram outras gravações, com João Nogueira (Batucajé), Alcione (Gostoso Veneno, com Nei Lopes), Roberto Ribeiro (Só Chora Quem Ama, com Nei), Zeca Pagodinho (Formiga Miúda, Judia de Mim e Quintal do Céu, com Nei), Beth Carvalho (Peso na Balança, Morrendo de Saudade e Goiabada Cascão, com Nei), Clara Nunes (Deixa Clarear e Mulata do Balaio, com Nei) e Elizeth Cardoso (Cidade Assassina, com Nei). Em 1986, o selo Kuarup lançou, dentro da série Grandes Sambistas, seu primeiro LP solo, Peso na Balança, produzido pelo japonês Katsunori Tanaka.

Primeiro álbum

Em 1991 saiu seu segundo álbum, Okolofé, um CD para o mercado japonês, lançado em 2000 no Brasil, por iniciativa do próprio Wilson, que conseguiu liberação para editar sua obra no país. O disco contou com a participação de um punhado bem grande de amigos do compositor. Entraram com ele em estúdio Mestre Marçal, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Délcio Carvalho, Nelson  Sargento e Guilherme de Brito, além dos músicos Rafael Rabello, Maurício Carrilho, Paulo Sérgio Santos, Marcos Suzano, Gordinho e outros tantos. São discos muito bem cuidados, com arranjos e músicos de primeira.

O Partido Muito Alto

Em 1997, Wilson sofreu um derrame que prejudicou seus movimentos de um lado do corpo, mas ele se recuperou rapidamente e botou a perna no mundo. Para tanto, contou com a solidariedade de uma dezena de grandes nomes da nossa música, que se reuniu para ajudar no seu tratamento. Um show no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, atraiu milhares de pessoas, que ouviram samba a noite toda, cantado por gente do naipe de Paulinho da Viola, Ivone Lara, Zeca Pagodinho e Zé Kéti, entre outros. Em 2002 ele voltava a lançar um disco solo, pelo selo Rádio MEC, dedicado às cultura negra com jongos (Jongueiro Cumba), calangos (Forró no Cafundó), congadas (Congada pra Sinhô Rei), mas sem esquecer o samba de escola, como Além do Centenário. "Sempre me cobraram um disco no qual eu pudesse, além de mostrar parte de minha produção, trazer de volta ritmos esquecidos e que são a origem do samba", disse.

Okolofé: primeiro no Japão

Recuperado, Wilson está ativo como nunca e seu trabalho valorizado, pelo menos do ponto de vista cultural.  Sua mulher, Ângela Nenzy, é o motor por trás dessa valorização. É dela a idéia, comprada pela prefeitura, de montar o Centro Cultural Solar Wilson Moreira, num velho casarão da Praça da Bandeira, bairro de passagem na zona central do Rio. Germano Fehr, dono da casa Traço de União, reduto do melhor samba em São Paulo, está rodando um documentário sobre a vida do sambista. No forno, ainda crua, uma biografia. Em fase de captação de recursos incentivados, um novo CD, Wilson Moreira em Versos e Quadras, e uma nova edição da história em quadrinhos sobre o sambista escrita por Ângela e desenhada pelo cartunista Ykenga, em 2000. Em outubro, comemorou com um show no Instituto Moreira Salles os trinta anos de lançamento do disco A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes. Compositor de ricas melodias, Wilson Moreira é muito estimado pelos parceiros, fãs e amigos. Boa praça, sua figura forte (o apelido, Alicate, deve-se ao aperto de mão quase mortal) contrasta com o sorriso generoso. Nada parece abalar a sua calma. Ele só se queixa dos rumos que a música de sua cidade tomou: "Esses funks que falam palavrões. É uma coisa de louco!". O bamba morreu no Rio de Ja eiro, no dia 6 de agosto de 2018, de complicações do câncer de próstata que espalhou pelos rins.


Zeca Pagodinho canta Formiga Miúda:

Terceiro disco: Entidades

VEJA.COM 24/12/2010


Nenhum comentário:

Postar um comentário