Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Aos 89 anos, morreu o compositor Elton Medeiros, um baluarte do samba tradicional. Ele esteve internado por um mês, teve alta mas passou mal em casa e teve que voltar para o hospital na segunda, dia 2. Na terça à noite ele faleceu. Grande parceiro de Cartola e Paulinho da Viola, era um homem inteligente, discreto e elegante. Se vestia de modo sóbrio, falava e era bem informado. Elton é era respeitado no meio musical, especialmente entre os sambistas. Tinha opinão formada sobre o samba e sabia da sua importância no contexto da música brasileira. Ficou famoso por suas melodias de grande beleza, tocava vários instrumentos, cantava bem e sabia tirar um ritmo preciso da caixa de fósforos. Mas irritava-se quando lhe pediam para posar tocando o instrumento rústico. Não queria fazer tipo. Via com péssimos olhos a folclorização no sambista: “Tem gente que imagina que para fazer samba é preciso frequentar botequim. Eu até sei bater uma caixinha de fósforo, mas não faço tipo para corresponder à idealização das pessoas”, dizia. Alguns diziam que era rabugice. Mas o fato é que ele recusava o estereótipo do sambista arroz de festa.
Elton e Gudin cantam Estrela, com show de
caixinha:
O compositor nasceu no bairro da Glória, no Rio de Janeiro, no dia 22 de julho de 1930. Filho de um funcionário do Arsenal da Marinha que
promovia reunião musicais em casa e desfilava em ranchos carnavalescos, Elton
fez seu primeiro samba aos 8 anos de idade para o bloco de garotos da rua onde
morava, no subúrbio de Brás de Pina. Aprendeu a tocar sax e trombone no colégio
interno João Alfredo, onde participava da banda, e ganhou cancha como
percussionista tocando bateria em bailes. Aos 18 anos, largou o estudo, mas não
a música e o samba. Tocou trombone em gafieira, fundou o bloco carnavalesco Tupi
de Brás de Pina, foi integrante da ala de compositores da escola Aprendizes de
Lucas e junto com Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho (produção e
direção) participou do espetáculo Rosa de Ouro, que gerou dois discos
antológicos (1965 e 67), ao lado de Aracy Cortes, Jair do Cavaquinho, Clementina
de Jesus, Nelson Sargento e Anescarzinho do Salgueiro. Fez parte do grupo Voz do
Morro, com o qual gravou três discos, e de Os Cinco Crioulos, que gravou outros
três LPs na década de 60.
Elton conheceu Paulinho da Viola quando frequentava o Zicartola, o legendário
restaurante musical que o compositor Cartola e sua mulher Zica abriram na rua da
Carioca, no centro do Rio, em 1963. Desse encontro surgiu uma parceria estável e
inspirada. Em 1968, eles gravaram o LP Samba Na Madrugada, relançado
recentemente em CD pela Biscoito Fino. Trata-se de um disco antológico no qual
Elton canta parcerias com Cartola, Mauro Duarte, Zé Keti, Hermínio e o próprio
Paulinho. Paulinho canta sambas seus e parcerias com Candeia e Casquinha.
Destaques no disco: O Sol Nascerá, de Elton e Cartola ("A
sorrir eu pretendo levar a vida/ Pois chorando eu vi a mocidade perdida")
e Jurar Com Lágrimas, de Paulinho ("Jurar com lágrimas que me ama/
Não adianta nada"). Solos de Raul de Barros no trombone enfeitaram faixas
de uma qualidade melódica que surpreendeu os que viam no samba um gênero menor. Desfilam pelo disco alguns outros exemplares antológicos, como
Mascarada e Minhas Madrugadas. De lá para cá, o samba O Sol
Nascerá, a parceria com Cartola, já mereceu mais de sessenta gravações e
Pressentimento (com letra de Hermínio Bello de Carvalho), terceiro
colocado na Bienal do Samba, em 1968, já foi gravado por mais de trinta cantores
diferentes. A mais célebre dessas gravações é a de Elizeth Cardoso, que o
incluiu no LP Elizeth e Zimbo Trio balançam na Sucata. A Divina
incluiria outros sambas de Elton em seus discos seguintes. Ainda em 68, Elton
participou do LP Mudando de Conversa, disco que reuniu Clementina de
Jesus, Cyro Monteiro, Mauro Duarte, Nora Ney e o conjunto Rosa de Ouro.
Roberta Sá canta Pressentimento:
Elton gravou o primeiro disco solo, que levou seu nome no título, em 1973.
Quatro anos depois, ele participou do disco Quatro Grandes do Samba, ao
lado de Candeia, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. Em 1980, o selo
Eldorado lançou Elton Medeiros, segundo disco solo, no qual se destacam
Peito vazio e Sentimento perdido. Em 1996,
Elton juntou-se aos chorões do regional Galo Preto para gavar o CD Mais
Feliz, um disco muito bem cuidado no qual o compositor exibe também seu
talento apreciável como intérprete. "Foi o meu trabalho mais infeliz", declarou
Elton ao jornalista João Pimentel, de o Globo. "Não pelos músicos e pelo
produto, que ficou ótimo, mas pela relação com a gravadora, que não honrou seus
compromissos".
Em 1997, a WEA apresentou A Alegria Continua, no qual Elton divide
a voz com Zé Renato e Mariana de Moraes. Em 1999 repartiu o CD Só
Cartola, com o Galo Preto e Nelson Sargento, antigo companheiro de Voz do
Morro, Rosa de Ouro e Os Cinco Crioulos. Em 2001, a Rod Digital lançou
Aurora de Paz, cuja faixa título é uma parceria sua com o poeta Cacaso.
Nesse trabalho ele incluiu dez músicas inéditas e quatro regravações, inclusive
parcerias com Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro, Paulo Vanzolini, Zé Kéti e
Paulinho da Viola.
Reizilan (neto de Cartola) canta Peito
Vazio:httpv://www.youtube.com/watch?v=wobodZt_pMk
No mesmo ano, ainda, saíram Meninos do Rio, que reuniu vários
compositores e cantores, e 1º comPasso, gravado ao vivo no Paço
Imperial do Rio de Janeiro, com vários artistas do samba e do choro. Em 2003,
Elton participou da homenagem a Clara Nunes no disco Um Ser de
Luz. A Biscoito Fino se juntou ao selo Quelé, em 2005, para lançar
Bem Que Mereci, com músicas inéditas de sua autoria e outras
consagradas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti e Ismael Silva. No ano
seguinte, o selo Rio 8 Fonográfico apresentou Circuito Original, uma
coletânea que incluiu, além de Elton, Eliane Faria, Monarco, Nilze Carvalho, e
Roberto Silva. Em 2007, ele participou com dezenas de outros artistas do CD e
DVD Cidade do Samba. Ufa!
Elton Medeiros não se cansava. Desde que apareceu no cenário musical
brasileiro, não se ausentou por muito tempo dos shows e discos. Era acima de tudo
um sambista militante. Dono de um senso crítico aguçado para o que considerava qualidade em música, Elton colocava o samba na proa do que chamava de um movimento
de resistência cultural. "O samba é a peça de resistência da música popular
brasileira. É o que resiste mesmo e funciona às vezes como um navio quebra gelo.
O choro vem atrás, depois de o samba quebrar o gelo", dizia. E o gelo é a falta de
divulgação: "O samba está passando por uma fase muito boa, pelo menos aqui no
Rio de janeiro, mas não no rádio ou na televisão", dizia ele no final de 1997,
ao jornal O Globo. "Há esse gelo na mídia contra o samba. Há um movimento muito
forte nos bares, quase numa atitude clandestina, de cantar samba".
Zé Keti canta, dele e Elton,
Mascarada:httpv://www.youtube.com/watch?v=X_BYC1opLhI
Mas ele não era um militante cego, sabia que nem tudo eram flores nessa seara.
"Ao comparar o que se faz hoje com a música dos anos 30 a 50, a
decadência é evidente", declarou à Folha de S. Paulo, em 2001. O sambista
considerava que houve um descaso com a música no Brasil. E relembrava a importância
de seu ensino, entre os anos 30 e 50. "Aqueles foram os anos do ensino
obrigatório de música, dos corais e bandas nas escolas. As pessoas aprendiam
música e ouviam muito rádio. Era um público exigente, que estimulava os
compositores a se superar. Se pensarmos no que acontece hoje, dá vontade de
chorar". Ele se dizia influenciado pela boa música que aprendeu na escola e que
complementou com sua experiência na noite e nas escolas de samba. "Villa-Lobos
levou os corais para as favelas, o ensino musical estava nas escolas públicas.
Tudo isso resultou em uma qualidade altíssima na produção artística, e mesmo os
compositores dos morros foram envolvidos nesse movimento".
Elton podia se queixar dos rumos da MPB, da pouca divulgação da boa música nas
rádios e TVs, mas não da falta de reconhecimento. Unanimidade entre a crítica,
respeitado entre seus pares, Elton ganhou o Prêmio Shell de Música, em 2001, e a
festa de entrega do troféu, no Canecão, no Rio, foi um evento e tanto, com a
participação de uma constelação de artistas da MPB, incluindo os ex-companheiros
Nelson Sargento e Jair do Cavaquinho, dos tempos de Rosa de Ouro, além de seu
parceiro de sempre Paulinho da Viola, da rainha do suingue Elza Soares e da
Velha Guarda da Portela. Elton agradeceu "o cafuné" dos amigos. Mas viver da
música, mesmo para um bamba como Elton Medeiros, continuava sendo sonho de uma
noite de verão: "Jacob do Bandolim era escrivão. Pixinguinha foi professor.
Geraldo Pereira era motorista da prefeitura. Mais que uma tradição do meio
artístico brasileiro, isso mostra uma necessidade de trabalhar em outras áreas
para sobreviver", dizia ele, que no dia-a-dia era administrador de empresas graduado
pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro.
DISCOGRAFIA
Discos solo
Elton Medeiros (1973) Odeon – LP
Elton Medeiros (1980) Eldorado – LP
Mais feliz (1996) Leblon Records – CD
Aurora de paz (2001) Rob Digital – CD
Elton Medeiros
(2002) Programa Ensaio – SESC
Bem que mereci (2005) Selo Quelé/Biscoito Fino – CD
Elton Medeiros (1973) Odeon – LP
Elton Medeiros (1980) Eldorado – LP
Mais feliz (1996) Leblon Records – CD
Aurora de paz (2001) Rob Digital – CD
Bem que mereci (2005) Selo Quelé/Biscoito Fino – CD
Mudando de conversa (1968) Clementina de Jesus, Cyro Monteiro, Mauro Duarte, Nora Ney e o conjunto Rosa de Ouro – Odeon – LP
Samba na madrugada (1968) – Elton e Paulinho da Viola – RGE – LP
Quatro grandes do samba (1977) – Candeia, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Elton Medeiros – RCA Victor – LP
Candeia e Elton Medeiros - Nova História da MPB (1978) – Abril – LP
Só Cartola (1999) Elton e Nelson Sargento – Leblon Records -CD
Discos com grupos
Rosa de ouro (1965) Odeon – LP
Roda de samba – Voz do Morro (1965) Musidisc – LP
Roda de samba 2 – Voz do Morro (1966) Musidisc – LP
Rosa de ouro (vol. II) (1967) Odeon – LP
Samba… no duro - volume 1 (1967) Odeon – LP
Os sambistas – Voz do Morro (1967) Musidisc – LP
Samba… no duro 2 (1968) Os Cinco Crioulos – LP
Samba… no duro 3(1969) Os Cinco Crioulos – LP
Rosa de ouro (1965) Odeon – LP
Roda de samba – Voz do Morro (1965) Musidisc – LP
Roda de samba 2 – Voz do Morro (1966) Musidisc – LP
Rosa de ouro (vol. II) (1967) Odeon – LP
Samba… no duro - volume 1 (1967) Odeon – LP
Os sambistas – Voz do Morro (1967) Musidisc – LP
Samba… no duro 2 (1968) Os Cinco Crioulos – LP
Samba… no duro 3(1969) Os Cinco Crioulos – LP
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