segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

CARIOCAS E PAULISTANOS

O que diferencia a folia das duas metrópoles?

    Samba carioca: a cidade abraça suas agremiações carnavalescas


Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Quem vê o espetáculo das escolas de samba pela televisão nota pouca diferença entre os desfiles do Rio e de São Paulo. A abordagem dos desfiles feita pelas emissoras não dá muita margem para se analisar o desempenho das baterias, dos puxadores de samba (tá, Jamelão, intérpretes!) e da própria qualidade do samba-enredo. Alegorias e fantasias brilham igual. A televisão perde detalhes importantes e pasteuriza o conjunto, valorizado pela ação das luzes nos materiais metálicos, vidrilhos e pedrarias. Se o espectador for leigo no assunto, não notará diferença alguma.

Vistos ao vivo, ainda há muito a diferenciar os dois carnavais. Mas o certo é que a cada dia os dois se aproximam em montagem, organização e desempenho na pista de desfile. Os compositores, carnavalescos, diretores de bateria, mestres-salas, ritmistas e intérpretes do Rio há décadas trabalham também em São Paulo e os da Terra da Garoa já fazem incursões pelo Rio, notadamente na área de composição dos sambas. De Zé Di, no Salgueiro de 1975, a Alemão do Cavaco e seus parceiros em 2011 na Mangueira, passando por Nelson de la Rosa, que levou a escola ao título, com um samba-enredo que homenageou Chico Buarque, compositores paulistanos têm tido oportunidade de mostrar seu trabalho na cidade maravilhosa.

O intercâmbio ainda funciona mais do Rio para São Paulo, mas ele existe há tempos nos dois sentidos e isso tem possibilitado uma homogeneização dos desfiles. Na organização, as escolas paulistanas e cariocas se assemelham mais ainda, desde que os cordões e blocos de enredo bandeirantes abriram mão de sua identidade para se tornar escolas de samba e fazer um desfile competitivo como o carioca, no início dos anos 70. Por imposição de regulamento ou por assimilação, as escolas das duas cidades promovem cursos de profissionalização para trabalhadores do Carnaval, têm programas sociais voltados para o entorno das quadras, incluindo lazer e educação para crianças sob risco ou atividades voltadas ao público da terceira idade. Não são apenas agremiações carnavalescas, mas ONGs com o chamado compromisso social. Suas quadras estão cada vez mais bem instaladas, seja numa ou na outra cidade.

Diante disso, qual a diferença do Carnaval de São Paulo para o do Rio de Janeiro? Tirando a natural diferença de sotaque do samba cultivado nas duas cidades, o do Rio mais urbano e o de São Paulo mais entranhado na herança do batuque rural, há uma profunda distância entre o estrato social de que são feitos os dois universos. O samba surgiu marginal em todo canto. Mas o Rio absorveu a novidade logo de início. Os cortejos carnavalescos eram uma tradição forte na cidade desde o Século XIX e o carioca desde cedo se acostumou a eles. A maioria esmagadora dos cidadãos do Rio tem um time de futebol e uma escola de samba de coração. Em São Paulo isso não ocorre. Talvez até mais fanático que o carioca pela sua escola, o paulistano ligado às agremiações de samba ou admirador dessa manifestação popular sempre foi minoria. Embora as entidades carnavalescas ganhem a cada dia maior adesão de pessoas da classe média, os paulistanos que se interessam pelo assunto a ponto de ter uma preferência por este ou aquele grupamento é exceção. Os abnegados desfilantes carregam o peso de um certo isolamento que se traduz, no Carnaval, no Sambódromo do Anhembi iluminado e sonoro, cercado do mais absoluto silêncio de uma cidade vazia.

Sambista paulistano: um valente folião cercado de silêncio

O Sambódromo paulistano contribuiu muito para a organização dos desfiles e a sua eficiência. Foi um ganho também para as transmissões televisivas. Mas é um fato que ele esvaziou ainda mais a cidade dos sintomas carnavalescos. No passado, quando os desfiles aconteciam na Lapa, no Anhangabaú, na São João ou na Tiradentes, ele obrigava o cidadão a deparar com o folião em trânsito para a passarela portando sua fantasia.
As imediações da pista de desfile ficavam em festa. Os trens e ônibus que vinham dos subúrbios e das periferias da cidade ficavam coloridos pelos sambistas que se dirigiam para o local de desfile trajado com as cores de sua escola. O Sambódromo carioca está localizado na região central da cidade. No berço do samba, na Praça Onze, na Cidade Nova, no Estácio, onde ele nasceu. O paulistano está num ponto de passagem, num ermo da Marginal do rio Tietê, cercado de vias expressas onde não há espaço para pedestres curiosos.
Está certo, o Carnaval das duas metrópoles não se resume aos desfiles principais dos sambódromos. Os grupos menores desfilam nos bairros. Mas esses desfiles são ainda bem precários e juntam um público pouco representativo. O que as escolas de São Paulo podem fazer para melhorar essa situação? Elas já fazem o bastante. Não se trata do desempenho delas, mas de um fator cultural. O Carnaval nunca foi para a cidade o que é para o Rio de Janeiro. O paulistano em geral não adere à folia com a mesma sede. Mesmo os bailes, que ocorriam em todos os clubes sociais até a década de 80, estão desaparecidos. Nesse sentido, as escolas de samba paulistanas são um fenômeno extraordinário de sucesso num meio hostil. Entre reclamações devido ao barulho dos ensaios e ordens de despejos emitidas pelos órgãos competentes, os sambistas bandeirantes fazem um espetáculo digno de aplausos, respeitado hoje pelos irmãos do Rio de Janeiro. São uns heróis da folia.

VEJA.COM 05/03/2011

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