No terreiro
Fundo de Quintal diz por que é o melhor
Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Embora muitos brasileiros não gostem e alguns até se envergonhem do fato, o samba é a música nacional por excelência. É um baiano que cresceu no Rio de Janeiro e irradiou seu ritmo pelo país todo. Desde que assumiu sua face moderna e se afastou do maxixe, nas primeiras décadas deste século, ele nunca mais saiu dos catálogos das gravadoras. É cepa que verga mas não quebra, renova-se permanentemente e sempre dá bons frutos. O lançamento do CD Palco Iluminado, do grupo Fundo de Quintal, é prova disso.
Em seu 14º álbum, o Fundo de Quintal reafirma sua posição de representante maior do atual samba carioca. Nascido no final dos anos 70, de um encontro informal de sambistas que ocorria semanalmente no terreiro do bloco Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, o conjunto mudou bastante, desde então. Talvez isso explique sua vitalidade, responsável pela manutenção da banda no patamar selecionadíssimo dos que vendem acima de 100 000 discos. Por ele passaram grandes sambistas, como os compositores Almir Guineto, Sombrinha, Arlindo Cruz e Jorge Aragão, que partiram para carreiras solo e têm público fiel, que compra seus discos e comparece aos seus shows.
Mesmo perdendo essa gente toda, o Fundo de Quintal se manteve soberano e resistiu ao mercantilismo predatório da indústria que, inspirada em seu sucesso, promoveu um boom do “pagode”. O grupo sofreu sua última alteração importante há quatro anos, com a entrada de Ronaldinho (banjo) e Mário Sérgio (cavaquinho), que aparecem no disco novo como parceiros na faixa Amor dos Deuses. Mário Sérgio assina ainda Não Tão Menos Semelhante, um samba romântico, sua especialidade, e Fada, uma quase bossa-nova.
Fazendo um contraponto interessante com os novos integrantes do grupo, estão os veteranos Sereno e Cleber Augusto, dois compositores da estatura dos melhores que o gênero já deu. Cleber responde pela faixa que dá título ao disco e por Ponto Final, um autêntico samba de safra nobre que canta os descaminhos do amor em versos definitivos sobre o fim de caso: “Vivemos apenas das sobras de uma emoção”. É de Sereno a faixa mais clássica, Doce Felicidade, um samba de romantismo derramado como se fazia antigamente. Apesar de ter saído de um bloco carnavalesco, a marca do Fundo de Quintal é a sobriedade. O ritmo é garantido pelo pandeiro de Bira e pela sutileza do repique-de-mão de Ubirany, o inventor do instrumento. Quando o andamento é mais ligeiro, como nos sambas-de-roda Vem Me Dar um Beijo e Tô Querendo, que abrem o disco, e Por Todos os Santos, uma exaltação aos valores negros, a presença da bateria de Ademir, há quatro anos no grupo, imprime maior força rítmica às músicas.
GAITA — Com produção e arranjos sóbrios de Rildo Hora, que enriquece algumas melodias com sua gaita primorosa, fez-se um disco bem cuidado em que há preciosidades como Juras, de Noca da Portela. Mas o carro-chefe do álbum é o samba Responde, de Arlindo Cruz, que pergunta: “Por onde andarão as batidas do seu coração?”, para responder: “Nas ondas do céu/Nas nuvens do mar/No amargo do mel/No fel do luar”. Em Palco Iluminado, o grupo Fundo de Quintal não levou para o estúdio a preocupação com o mercado novidadeiro. Manteve-se fiel ao samba sem afetação que sempre cultivou à sombra da velha tamarineira do bairro de Ramos, onde tudo começou.
VEJA, 10/01/1996.
VEJA, 10/01/1996.
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