quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

PAULO MOURA

Choro sentido


Por Julio Cesar Cardoso de Barros

O saxofonista, clarinetista, compositor e arranjador Paulo Moura morreu no fim da noite de uma segunda-feira (12 de julho, de 2010), vítima de um câncer linfático. Ele estava internado desde o dia 4 daquele mês, na Clínica São Vicente, no Rio. Paulo Moura faria 78 anos na quinta-feira, dia 15 de julho. Clarinetista e saxofonista, compositor e arranjador, Paulo Moura tocou com grandes nomes da música, como Ary Barroso, Tom Jobim, Elis Regina, Wagner Tiso, Sérgio Mendes, Maysa, Yamandu Costa, Raphael Rabello, Nora Ney, Jorge Goulart, Dolores Duran e muitos outros grandes nomes nacionais e internacionais, acompanhando, fazendo arranjos, compondo ou dominando o palco em solos e em grupos, das jazz bands e pequenos regionais a grandes orquestras. Dono de uma carreira exemplar, um dos artistas brasileiros mais respeitados mundialmente, Paulo Moura foi músico da orquestra do Teatro Municipal carioca, tocou sob regência de Leonard Bernstein, Eliazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky e Stravisnky, escreveu trilhas cinematográficas e temas musicais para cinema e televisão. Fã do jazz, sambista e chorão, ele tem formação clássica e trafega com grande desenvoltura tanto nas grandes partituras quanto nos maxixes e ritmos regionais.

    Uma vida dedicada à música

    Moura: uma família de músicos

Paulo Moura nasceu no dia 15 de julho de 1932, na cidade de São José do Rio Preto, interior do Estado de São Paulo, mas foi registrado muito tempo depois e em seus documentos consta o dia 17 de fevereiro de 1933, como data de seu nascimento. Caçula de dez irmãos, seis deles homens e músicos, ensaiados pelo pai, Pedro Moura, marceneiro de profissão, que tocava clarineta e saxofone na banda do lugar e num conjunto de baile. Ganhou sua primeira clarineta aos nove anos e se encantou com a vida de músico que seus irmãos levavam, tocando nos cassinos do Rio de Janeiro. Aos quatorze anos começa a tocar na banda do pai ainda em Rio Preto, animando bailes com maxixes, polcas e outros ritmos de salão. Em 1945, a família se muda para o Rio e vai morar na Tijuca.

Paulo Moura toca Ternura, de K-Ximbinho:

Deixou o ginásio do segundo ano e passou a dedicar-se totalmente à música, estudando clarineta, teoria musical e solfejo. Paralelamente aos estudos, passou a tocar em clubes e gafieiras, iniciando-se na profissão. Volta a estudar no ginásio e inclui o sax alto em seu currículo, ampliando o arco de possibilidades profissionais junto às orquestras de baile. Em 1951 é contratado pela Rádio Globo para ser o primeiro saxofonista solista da Orquestra de Oswaldo Borba. Passa a gravar com grandes nomes do rádio, como Nelson Gonçalves, Dircinha Batista, Núbia Lafayette, Carlos Galhardo e Gilberto Alves. No mesmo ano o maestro Leonard Bernstein vem ao Rio e Paulo Moura é convidado a tocar sob sua regência interpretando obras de George Gershwin. Paulo entra nos anos 50 fascinado pelo jazz, que dominava a cena nas noites do Rio e São Paulo, sob influência de Dizzy Gillespie, Stan Kenton e outros cobras americanos.


Eleito o melhor saxofonista e melhor clarinetista em concursos promovidos por Paulo Santos, da rádio MEC, ele grava os discos Em tempos de Jazz 1 e 2. Depois de tocar na orquestra de Ary Barroso, com quem viajou para o exterior, Paulo Moura vai a Nova York, onde conhece Gillespie. De volta ao Brasil, em 1956 cria sua primeira orquestra, inspirada nas big bands americanas, para tocar na rádio Jornal do Brasil e animar bailes. Grava o primeiro LP: Escolha e Dance Com Paulo Moura e sua Orquestra de Danças. Percebendo que a fórmula já estava meio esgotada, vai trabalhar com emprego fixo na rádio Nacional, onde imperavam os maestros Lírio Panicalli, Radamés Gnatalli, Leo Peracchi, Guerra Peixe e Moacir Santos, com quem passa a dividir os arranjos dos númeeros musicais da casa. Em 1958 acompanha Nora Ney, Jorge Goulart, Dolores Duran, Maria Helena Raposo em uma excursão à União Soviética. De volta ao Brasil, grava o LP Sweet Sax, no qual inclui hits internacionais do momento, como Nel Blue de Pinto di Blue e My Fair Lady.


Em 1959, entra por concurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Executando a Primeira Rapsódia, de Debussy, classifica-se em primeiro lugar. Apaixona-se pela música clássica, tocando sob a regência de Eliazar de Carvalho, Karabtchevsky, Stravisnky, Leonard Bernstein, entre outros grandes maestros. No mesmo ano lança Tangos e Boleros, com solos de clarineta e sax alto. Paralelamente, Paulo Moura acompanha artistas do calibre de Lena Horn, Cab Calloway, Nat King Cole, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr, Marlene Dietrich em shows no Golden Room do Copacabana Palace, no Rio. A carreira solo promissora na música popular não o faz afastar-se da música clássica, ele só deixaria o Municipal em 1977. O músico entra nos anos 60 em grande estilo. Lança Paulo Moura Interpreta Radamés Gnatalli, um disco com músicas feitas pelo famoso maestro especialmente para sua clarineta. Nas gravações, Radamés o acompanha ao piano.

Paulo Moura e Clara Sverner tocam Valsa Triste, de Radamés:



    Paulo Moura: uma carreira exemplar

Em 1962, forma com Sergio Mendes e Otavio Bailly o Bossa Rio, que toca no Carnegie Hall, em Nova York com Tom Jobim, Stan Getz, João Gilberto, Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos e Carmem Costa. Em 1968, forma um hepteto com a inclusão de Oberdam Magalhães (sax tenor), Constâncio ( trombone) e Darcy da Cruz (trompete), grava Paulo Moura e Hepteto e no ano seguinte Paulo Moura e Quarteto, com Wagner Tiso, Luís Alves e Paschoal Meirelles. Lança os LPs: Mensagem e Pilantocracia. Em 1971, sai o LP Fibra, pelo selo Equipe, Milton Nascimento, ao piano, participa da faixa Ana Lia’s Blues. E em 1976 lança Confusão Urbana Suburbana e Rural, produzido por Martinho da Vila, a quem acompanhava em turnês nacionais e internacionais. O disco instrumental é uma tentativa de criar uma música com percussão afro-suburbana com a tradição dos sopros das big bands. No repértório, músicas de Moura com o pianista Wagner Tiso e o sambista Martinho. “Com este sucesso tive condições de encarar a carreira de solista internacionalmente, viajando, a partir de então, para o Festival de Artes Negras, na Nigéria, para a França, Holanda e  o Japão, e pude deixar o meu posto de clarinetista da Orquestra do Theatro Municipal”, contou.

Choro com Daniela Spiellman na Estudantina:

Em 1977 sai O Fino da Música, pela RCA, com Canhoto e seu regional (Fina Flor do Samba), Raul de Barros no trombone e o conjunto Atlântico. Em 1978, por ocasião da inauguração da cobertura da quadra da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, atende a convite do maestro Julio Medaglia e escreve uma peça para Orquestra Sinfônica e Bateria de Escola de Samba: Variações Sobre Cartola. No mesmo ano compõe a trilha sonora para o filme A Lira do Delírio, de Walter Lima Junior. Ainda em 78, lança pela Polygram um disco gravado ao vivo no Teatro João Caetano durante o show Choro na Praça, ao lado dos exuberantes chorões Waldyr Azevedo, Abel Ferreira, Zé da Velha, Joel Nascimento e Copinha. Em 1980, o jazzista, sambista, chorão e músico clássico, que na infância fez gente dançar maxixe e polca em Rio Preto, passa oito meses tocando na gafieira carioca Estudantina. No ano seguinte, grava o Consertão, consequência de uma temporada com Arthur Moreira Lima (piano), Heraldo do Monte (violão) e Elomar. Em 1982, apresenta Diálogos para a paz Mundial, no Festival da Paz, em Guadalupe, lança o LP Gafieira Etc & Tal e faz a direção musical do filme O Bom Burguês, de Oswaldo Caldeira. Junta-se a Arthur Moreira Lima, Raphael Rabello e Joel Nascimento para apresentação no Lincoln Center, em Nova York. Ainda em 82, Tizuka Yamazaki o convida para fazer a trilha sonora do filme Parahyba Mulher Macho. Nesse ano agitado, toca na Gafieira do Circo Voador, no Arpoador (Rio), e no Festival Internacional de Jazz de Berlin.

Com Yamandú Costa:

O ano de 1983 é marcado pela parceria com a pianista Clara Sverner, com quem excursiona pelo país e pelo exterior e grava os discos Encontro (1984), Clara Sverner e Paulo Moura interpretam Pixinguinha (1988). No ano seguinte volta-se novamente para o choro regional com o disco Mistura e Manda, que reúne os cobras Zé da Velha (trombone), Mané do Cavaco, Carlinhos do Cavaco e Jonas Pereira (cavaquinho), Jorginho do Pandeiro, Cesar Farias e Maurício Carillho (violão de seis cordas), Raphael Rabello (violão de sete cordas), Joel do Nascimento (bandolim) e Neoci e Jovi (percussão). Em 1985, toca em Juan-les-Pins, Antibes (França), com Zé da Velha (trombone), Raphael Rabello (violão de sete cordas) e Jacques Morelenbaum (cello) e compõe a trilha sonora do filme Rato Rei, de Silvio Auttuori, em parceria com Alex Meirelles e Paulo Muylaert. No ano seguinte apresenta-se no Free Jazz Festival, leva sua música de gafieira para Paris e Nova York e atua como arranjador, diretor de orquestra e solista convidado no programa Um toque de classe, de Arthur Moreira Lima, na TV Manchete. Nos 100 anos de Abolição, rege a Orquestra Sinfônica de Brasília, na Sala Villa-Lobos, da Capital, apresentando uma peça de sua autoria, feita especialmente para a ocasião, chamada Arredores da Lapa. Ainda em 88, apresenta-se no Olympia, de Paris, com o repertório do Quarteto Negro (Jorge Degas: baixo elétrico, Djalma Correia: percussão e Zezé Motta: cantora e atriz). Em 1991, lança Paulo Moura e Ociladocê interpretam Caymmi e compõe a trilha sonora de Lindolfo Collor, um especial da TV Educativa.


O ano de 1992 é de muita atividade, com o lançamento do CD Rio Nocturnes, gravado na Alemanha, com a participação de Jorge Degas (baixo) e do percussionista alemão Andréas Weiser, e apresentado no Montreux Jazz Festival. Paulo Moura recebe o Prêmio Sharp de Melhor Instrumentista Popular por Dois Irmãos, gravado com Raphael Rabello e rege a Suíte Carioca, que compôs para a inauguração da ECO-92, no Rio de Janeiro. Em 1993, sai Instrumental no CCBB. Em 1996, lança Paulo Moura e Wagner Tiso, com as gravações ao vivo de apresentações que os dois fizeram pelo mundo dentro do projeto Brasil Musical-série Música Viva. No mesmo ano assume a presidência da Fundação Museu da Imagem e do Som, torna-se membro do Conselho Estadual de Cultura (Rio) e do Conselho Federal de Música. Em 98 viaja no Brasil e no exterior com o espetáculo Paulo Moura visita Gershwin & Jobim, lançado em disco em 2000. Em 1998 lança o CD Pixinguinha: Paulo Moura e os Batutas, gravado ao vivo no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, disco que lhe valeu os prêmios Sharp de Melhor Grupo Instrumental e de Melhor Solista. Lança em 1999 o CD Mood Ingênuo, gravado ao vivo com Cliff Korman no Festival de Gênova. No repertório, músicas de Pixinguinha a Duke Ellington. Em 2000, ganha o Grammy Latino com Pixinguinha: Paulo Moura e os Batutas e faz o papel do jornalista, compositor e pai de santo Zé Espinguela no filme Villa-Lobos: Uma Vida de Paixão, de Zelito Viana.

Com João Donato, Pixinguinha no Arpoador:

No ano seguinte, grava o CD K-Ximblues, prêmio Rival-BR de melhor produção indepedente, em que homenageia Sebastião Barros, o K-Ximbinho, músico da Orquestra Tabajara e do grupo Sete de Ouro, sax tenor a quem Paulo Moura admirava desde o início da carreira. K-Ximbinho criou estilo ao misturar choro, jazz e blues. Nesse disco, Paulo Moura e o gaitista Mauricio Einhorn recuperaram sua obra, praticamente inédita. Em 2002, toca Pixinguinha no Festiva de Jazz da Holanda. Em 2003 lança o CD Estação Leopoldina, indicado ao Grammy. Em 2004, a Biscoito Fino lança El Negro Del Blanco, reunindo Paulo Moura e o versátil violonista gaúcho Yamandu Costa. Em 2005, recebe o Prêmio Tim de Melhor Solista Popular pelo CD El Negro Del Blanco. Com João Donato, lança em 2006 o CD Dois Panos Para Manga. No repertório, músicas que curtiam na adolescência, no Rio dos anos 50, uma ode à amizade de cinco décadas entre o pianista e o clarinetista, desde o tempo em que ambos eram membros do Sinatra Farney Fã Clube, que reunia a juventude carioca para ouvir jazz americano. Entre essas músicas, Minha Saudade, parceria de Donato com João Gilberto, e That Old Black Magic, da dupla Harold Arlen e Johnny Mercer e Pixinguinha no Arpoador, com improvisos sobre temas de clássicos como Carinhoso, de Pixinguinha, e La Vie en Rose, de Marcel Louiguy e Edith Piaf. E lança o CD Samba de Latada, com Josildo Sá, projeto voltado para a música popular de Pernambuco.

Paulo Moura, Arthur Moreira Lima e Heraldo do Monte:

Em 2007, os discos Hepteto (1968), Quarteto (1969) e Fibra (1971), que passaram anos fora de catálogo, são lançados em CD. Em 2008, seu Cd Para Cá e Pra Lá é indicado para o Grammy Latino, na categoria de melhor disco Instrumental. No ano passado viajou para a Tunísia e o Equador, e lançou o CD AfroBossaNova, com o guitarrista baiano Armandinho.

Todos os álbuns
  • (1956) Moto Perpétuo – Columbia – 78 rotações
  • (1956) Paulo Moura e sua Orquestra para Bailes - Sinter – LP
  • (1959) Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali – Continental – LP
  • (1960) Tangos e Boleros – Chantecler – LP
  • (1964) Os Cobras (vários artistas) – RCA
  • (1964) Edison Machado é Samba Novo – participação • CBS/Dubas Música
  • (1968) Discomunal (Vários artistas) -  MIS - LP
  • (1968) Paulo Moura Hepteto – Equipe Novo Esquema – LP
  • (1969) Paulo Moura Quarteto – Equipe – LP
  • (1969) Pilantrocracia – Equipe
  • (1971) Fibra – Equipe – LP
    Gafieira Jazz, com Cliff Korman
  • (1976) Confusão Urbana, Suburbana e Rural – RCA Victor – LP
  • (1977) O Fino da Música – RCA Pure Gold – LP
  • (1977) Choro na Praça – Elektra/WEA LP
  • (1977) Altamiro Carilho, Abel Ferreira, Formiga e Paulo Moura interpretam Vivaldi, Weber, Purcell, Villa-Lobos – Som Livre – LP
  • (1982) ConSertão – Kuarup – LP
  • (1983) Mistura e Manda – Kuarup – LP
  • (1983) Clara Sverner & Paulo Moura – EMI-Angel – LP
  • (1984) Encontro – Paulo Moura (sax), Clara Sverner (piano), Turíbio Santos (violão) e Olívia Byington (voz) – Kuarup – LP
    Com Clara Sverner: sax e piano
  • (1985) Brasil Instrumental – Sax, Violão, Cello & Trombone – Kuarup - LP
  • (1986) Gafieira etc & tal -Kuarup – LP
  • (1986) Vou Vivendo (com Clara Sverner) – EMI-Odeon – LP
  • (1986) Cabeça de Nego (João Bosco) – participação - Barclay/PolyGram – LP
  • (1987) Quarteto Negro -Kuarup – LP
  • (1987) Pescador de Pérolas (Ney Matogrosso) – participação - CBS
  • (1988) Clara Sverner e Paulo Moura Interpretam Pixinguinha – CBS – LP
  • (1990) Noites Cariocas (Vários artistas) – participação - Kuarup - CD
  • (1991) Paulo Moura e Ociladocê interpretam Dorival Caymmi – Chorus/Som Livre – CD
  • (1992) Dois irmãos – Caju Music – CD (Com Raphael Rabello)
  • (1992) Rio Nocturnes – Messidor/Continental – CD
  • (1993) Instrumental no CCBB – Paulo Moura & Nivaldo Ornellas - Tom Brasil - CD
    Com João Donato: Dois Panos para Manga
  • (1993) Filmes de Guerra, Canções de Amor - Engenheiros do Hawaii Participação – CD
  • (1996) Brasil Musical - Paulo Moura & Wagner Tiso - Série Música Viva – Tom Brasil – CD
  • (1998) Pixinguinha – Paulo Moura & Os Batutas – Velas – CD
  • (1999) Mood Ingenuo: Pixinguinha Meets Duke Ellington - Paulo Moura & Cliff Korman – Jazzheads – CD
  • (2000) Pra Cá e Pra Lá: Paulo Moura trilha Jobim e Gershwin – Pau Brasil – CD
  • (2002) K-Ximblues (2003) – Rob
  • (2002) Alma Rio – Varese Sarabande/Fuel
  • (2003) Estação Leopoldina – Rádio MEC – CD
  • (2004) El Negro del Blanco – Biscoito Fino – CD (Com o violonista Yamandú Costa)
  • (2006) Dois Panos para Manga (João Donato e Paulo Moura) - Biscoito Fino - CD
  • (2006) Samba de Latada – com o pernambucano Josildo Sá – CD
  • (2009) Gafieira Jazz - Paulo Moura & Cliff Korman - Rob Digital 

VEJA.COM 13/07/2010


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