segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

JOÃO NOGUEIRA E PAULO CESAR PINHEIRO

Em extinção

Uma espécie rara de samba

Parceria: amor ao Rio

Por Julio Cesar Cardoso de Barros

O letrista Paulo César Pinheiro e o sambista João Nogueira formam uma das mais proveitosas parcerias da MPB. São 22 anos e mais de cinquenta sambas que dão à dupla uma consistência rara. Para comemorar essa associação, eles se juntaram num show, que inspirou o CD Parceria. O disco traz músicas como O Poder da Criação, que exaltam a lira dos compositores, mostrando que há uma força transcendental que os faz derramar sobre o papel e as cordas do violão as letras e os acordes de novos sambas. A essa força se deve creditar cada uma das dezessete faixas do CD, que homenageia Clara Nunes, ex-mulher de Pinheiro, morta em 1983, nas faixasUm Ser de Luz e As Forças da Natureza, de versos emocionados como As pragas e as ervas daninhas/ As armas e os homens do mal/ Vão desaparecer/ Nas cinzas de um Carnaval. O amor ao Rio transparece nos sambas Rio, Samba, Amor e TradiçãoPrimeira Mão, Bares da Cidade eChico Preto, uma crônica da cidade adorada, mas violenta, preconceituosa e injusta.
A produção é de Eduardo Gudin, que recriou em estúdio o ambiente de show ao vivo. Os arranjos precisos, mas econômicos, perdem em relação às gravações originais. Em determinados momentos, a solenidade e o clima épico chegam a incomodar. A voz de João Nogueira se torna uma moldura grandiloquente para destacar as letras do parceiro. Pinheiro arrisca cantar. E o faz de maneira bastante razoável para quem tem uma palha de aço na garganta. O resultado é um bom apanhado do trabalho da dupla.
Pinheiro, o poeta, coleciona parceiros como Tom Jobim, Baden Powell e Dorival Caymmi. Nogueira é ovelha desgarrada do samba carioca, que não subiu o morro, mas espalhou-se pelas calçadas de Vila Isabel, Estácio, Cidade Nova e subúrbios do Rio. Seu canto brilha no ritmo sincopado de Eu, Hein Rosa!, um tipo de samba de sabor urbano que se perdeu nas esquinas de um Rio deteriorado. Espécie morta por uma bala perdida do fuzil AR-15 da indústria fonográfica. Nos descaminhos atuais do gênero, pode-se dizer que João Nogueira e Paulo César Pinheiro  são, mais do que compositores, preservacionistas.

VEJA/9/11/1994.

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