A rainha-mãe da verde e rosa
Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Quando Gilberto Bonga despontava do Anhangabaú subindo a São João no comando
da bateria da Mociade Alegre, empurrando alas ladeira acima na famosa avenida,
uma figura se destacava à sua frente pelo porte, pelo sorriso e pelo samba no
pé, nas cadeiras e no gogó. Empunhando um tamborim, corpo bem desenhado, a
elegante rainha da bateria brilhava, despertando os sonolentos expectadores na
madrugada modorrenta. Se do charuto de Juarez da Cruz, o presidente da
escola, saía fumaça, dos requebros da passista saiam faíscas. Nos anos 50, a
adolescente Lorenildes de Lima, a Nanana da Mangueira, já participava de
programas de auditório como caloura na Rádio Nacional. A menina cantava e
sambava como poucos. Em 1958 mudou-se para o Morro da Mangueira. Lá, conheceu
grandes nomes do samba, como Carlos Cachaça, Cartola e Xangô, e logo se enturmou
com o povo do lugar, integrando o corpo de passistas da verde e rosa na ala Vê
Se Entende. Ivo Meirelles, o atual presidente da escola, é seu filho com o
falecido compositor Ivan Meirelles, diretor social da verde e rosa. Sua filha,
Waninha, foi passista destacada da agremiação. O talento levou Nanana a ser
convidada para participar de uma das revistas musicais mais famosas, O teu
Cabelo Não Nega, uma homenagem de Carlos Machado ao compositor Lamartine
Babo, apresentada no Golden Room do Copacabana Palace, em 1963. Era um elenco de
primeira, encabeçado por Grande Otelo. No mesmo ano, ela aparece no filme
Gimba, roteiro de Gianfrancesco Guarnieri dirigido por Flávio
Rangel, com Milton Moraes, Cyro Monteiro, Ruth de Souza e Zé Kéti,
cantando Feio Não É Bonito. Sua boa voz a levou a integrar grupos de
pastoras e a fazer coro para cantores do naipe de Herivelto Martins, Ataulfo
Alves, Monsueto, Jair Rodrigues, e Jorge Costa.
Em 1965, mudou-se para São Paulo, onde passou a se apresentar com o conjunto
Batucajés, cantando e sambando empresariada por Marcos Lázaro, sob cujo comando
viajou pela Europa, Américas do Sul e Central, morando por 3 anos no México,
onde passsou a se dedicar à carreira solo, apresentando-se no Hotel Fiesta
Palace.
Tamborim, que tocou à frente da bateria da Mocidade Alegre
De volta ao Brasil, deu sequência à sua carreira de cantora da noite e
passou a integrar a escola de samba Mocidade Alegre, em 1973, como rainha da
bateria. Foi a primeira a sair sambando e tocando tamborim, como faz hoje
Viviane Araújo com muito sucesso no Salgueiro. “Nanana é uma sambista de
verdade! Alegre e apaixonada pelo samba. Toquei Tamborim à frente da bateria da
Santa Cruz em 2003 e depois soube que ela foi a pioneira”, diz Renata Santos,
rainha de bateria da Mangueira. O porte elegante, pernas bem definidas, um
sorriso sempre estampado no rosto, Nanana era capaz de sustentar o samba no pé a
noite toda. Não era de academia, mas dona de um DNA invejável, que a mantém na
ativa e em muito boa forma até hoje, aos 68 anos, cantando com pleno domínio do
ofício e sambando muito mais que a maioria das rainhas que circulam por aí. “A
história começou com ela. Tenho orgulho de conhecer essa pessoa maravilhosa e
aplaudir a responsável por hoje eu ser mais uma rainha na história do carnaval”,
diz Renata.
Na capital bandeirante, ela cantou nas melhores casas de samba e nigth clubs
dos anos 60 até hoje. São frequentes suas aparições nos melhores endereços do
samba atual na cidade, como o Traço de União, o Samba Bar, a Vila do Samba, o
Terra Brasil e o Samba da Vela, o reduto que revelou o Quinteto em Branco e
Preto, grupo responsável pela produção e arranjos de seu primeiro CD. Nanana tem
estado mais presente no Rio de Janeiro, mas não deixa suas ligações com São
Paulo, onde desenvolveu a maior parte de sua carreira artística. É figura
frequente nas casas de espetáculos do ABC, Campinas e outras cidades do interior
paulista. No Rio ela é ouvida nas casas estabelecidas da nova Lapa, como a Dama
da Noite e a Sacrilégio. Seu repertório reúne músicas de bambas da qualidade
de Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Monsueto e Moacyr
Luz.
No Carnaval de 2010, ela desfilou como destaque principal do abre-alas da
Mangueira. Uma merecida homenagem àquela que durante décadas se dedicou ao
melhor samba, colecionando elogios e legiões de admiradores, encantados com seu
talento e simpatia. Um exemplo para muitas das atuais rainhas de bateria, que
não têm 1% de seu talento.
VEJA.COM 17/04/2011
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