segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

NANANA DA MANGUEIRA

A rainha-mãe da verde e rosa



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Quando Gilberto Bonga despontava do Anhangabaú subindo a São João no comando da bateria da Mociade Alegre, empurrando alas ladeira acima na famosa avenida, uma figura se destacava à sua frente pelo porte, pelo sorriso e pelo samba no pé, nas cadeiras e no gogó. Empunhando um tamborim, corpo bem desenhado, a elegante rainha da bateria brilhava, despertando os sonolentos expectadores na madrugada modorrenta. Se do charuto de Juarez da Cruz, o presidente da escola, saía fumaça, dos requebros da passista saiam faíscas. Nos anos 50, a adolescente Lorenildes de Lima, a Nanana da Mangueira, já participava de programas de auditório como caloura na Rádio Nacional. A menina cantava e sambava como poucos. Em 1958 mudou-se para o Morro da Mangueira. Lá, conheceu grandes nomes do samba, como Carlos Cachaça, Cartola e Xangô, e logo se enturmou com o povo do lugar, integrando o corpo de passistas da verde e rosa na ala Vê Se Entende. Ivo Meirelles, o atual presidente da escola, é seu filho com o falecido compositor Ivan Meirelles, diretor social da verde e rosa. Sua filha, Waninha, foi passista destacada da agremiação. O talento levou Nanana a ser convidada para participar de uma das revistas musicais mais famosas, O teu Cabelo Não Nega, uma homenagem de Carlos Machado ao compositor Lamartine Babo, apresentada no Golden Room do Copacabana Palace, em 1963. Era um elenco de primeira, encabeçado por Grande Otelo. No mesmo ano, ela aparece no filme Gimba, roteiro de Gianfrancesco Guarnieri dirigido por Flávio Rangel, com Milton Moraes, Cyro Monteiro, Ruth de Souza e Zé Kéti, cantando Feio Não É Bonito. Sua boa voz a levou a integrar grupos de pastoras e a fazer coro para cantores do naipe de Herivelto Martins, Ataulfo Alves, Monsueto, Jair Rodrigues, e Jorge Costa.

Nanana canta Remador de Todas as Marés:

Em 1965, mudou-se para São Paulo, onde passou a se apresentar com o conjunto Batucajés, cantando e sambando empresariada por Marcos Lázaro, sob cujo comando viajou pela Europa, Américas do Sul e Central, morando por 3 anos no México, onde passsou a se dedicar à carreira solo, apresentando-se no Hotel Fiesta Palace.

Tamborim, que tocou à frente da bateria da Mocidade Alegre

De volta ao Brasil, deu sequência à sua carreira de cantora da noite e passou a integrar a escola de samba Mocidade Alegre, em 1973, como rainha da bateria. Foi a primeira a sair sambando e tocando tamborim, como faz hoje Viviane Araújo com muito sucesso no Salgueiro. “Nanana é uma sambista de verdade! Alegre e apaixonada pelo samba. Toquei Tamborim à frente da bateria da Santa Cruz em 2003 e depois soube que ela foi a pioneira”, diz Renata Santos, rainha de bateria da Mangueira. O porte elegante, pernas bem definidas, um sorriso sempre estampado no rosto, Nanana era capaz de sustentar o samba no pé a noite toda. Não era de academia, mas dona de um DNA invejável, que a mantém na ativa e em muito boa forma até hoje, aos 68 anos, cantando com pleno domínio do ofício e sambando muito mais que a maioria das rainhas que circulam por aí. “A história começou com ela. Tenho orgulho de conhecer essa pessoa maravilhosa e aplaudir a responsável por hoje eu ser mais uma rainha na história do carnaval”, diz Renata.

Boa cantora e sambista apaixonada

Na capital bandeirante, ela cantou nas melhores casas de samba e nigth clubs dos anos 60 até hoje. São frequentes suas aparições nos melhores endereços do samba atual na cidade, como o Traço de União, o Samba Bar, a Vila do Samba, o Terra Brasil e o Samba da Vela, o reduto que revelou o Quinteto em Branco e Preto, grupo responsável pela produção e arranjos de seu primeiro CD. Nanana tem estado mais presente no Rio de Janeiro, mas não deixa suas ligações com São Paulo, onde desenvolveu a maior parte de sua carreira artística. É figura frequente nas casas de espetáculos do ABC, Campinas e outras cidades do interior paulista. No Rio ela é ouvida nas casas estabelecidas da nova Lapa, como a Dama da Noite e a Sacrilégio. Seu repertório reúne músicas de bambas da qualidade de  Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Monsueto e Moacyr Luz.

Ouça a pastora ao vivo Nanana:

No Carnaval de 2010, ela desfilou como destaque principal do abre-alas da Mangueira. Uma merecida homenagem àquela que durante décadas se dedicou ao melhor samba, colecionando elogios e legiões de admiradores, encantados com seu talento e simpatia. Um exemplo para muitas das atuais rainhas de bateria, que não têm 1% de seu talento.

VEJA.COM 17/04/2011

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