Do Jequibau à Jazz Sinfônica
O maestro Cyro Pereira morreu no dia 9 de junho de 2011, vítima de câncer aos 81 anos.
Cyro começou a carreira de arranjador de orquestra no final da década de 40, foi
professor de orquestração na Unicamp, diretor da orquestra da Record nos tempos
áureos dos festivais e era maestro, compositor residente, arranjador e um dos
fundadores da Orquestra Jazz Sinfônica. Com o pianista Mário Albanese, criou nos
anos 60 um novo ritmo, derivado do samba, ao qual denominaram Jequibau, no qual
inovavam com o compasso de cinco tempos. O velório do maestro Cyro Pereira foi
no Memorial da América Latina. O corpo foi cremado na Vila Alpina. No mês de agosto de 1965, os músicos paulistas Mário Albanese e Cyro Pereira
lançaram um disco com as músicas Jequibau e Esperando o Sol. O
LP surpreendeu o meio artístico pelo inusitado de apresentar um ritmo até então
inédito na música brasileira: o 5/4 (compasso de cinco tempos), que batizaram de
Jequibau. Advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, Albanese já
era radialista e, assim como Cyro, músico conhecido, tendo já conquistado dois
discos de ouro com as músicas Você, na voz de Marina Barbosa, e
Insônia, que ele próprio gravou ao piano. Hoje, Cyro Pereira é diretor
da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo e Mário Albanese é assessor
da presidência da Cetesb – Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental -,
cedido temporariamente para a Prodesp, empresa de processamento de dados do
Estado, onde desenvolve uma campanha institucional de combate ao fumo.
Jequibau, o disco – Quando o disco começou a ser executado, o
público não sabia se estava ouvindo um samba tocado por músicos de jazz ou se
era o contrário. “As pessoas não estavam acostumadas”, lembra Albanese. Era algo
diferente, mas sem dúvida inserido no rol dos ritmos brasileiros, um aparentado
do samba, que tem como característica um compasso de quatro tempos. Convidado
para gravar um LP inteiro só com jequibau, nos Estados Unidos, Albanese entrou
em pânico. “Nós não estávamos preparados para o mercado. Aquilo era apenas o
resultado de nossas pesquisas”, diz. Ligou para Cyro e começaram a compor as
faixas do disco Jequibau, lançado primeiro nos Estados Unidos, depois no Brasil,
França, Itália, Argentina e México. Albanese, que já tinha músicas suas gravadas
por grandes nomes da música brasiileira, como Agostinho dos Santos, Pedrinho
Mattar, Isaura Garcia e Cauby Peixoto, passou a ter seus jequibaus impressos na
interpretação de astros internacionais da expressão de Andy Williams, Sadao
Watanabe e Herb Alpert. Hoje, aos 55 anos, e com quarenta músicas nesse ritmo
editadas e dezenas inéditas, ele continua sendo gravado e, vez por outra, recebe
novas propostas de grupos de dança moderna interessados em coreografar suas
composições.
Apesar de ter ganhado algum dinheiro, Albanese e seu parceiro não tiraram o
devido proveito da situação e deixaram escapar a chance de transformar o
jequibau numa boa fonte de dólares. “Se eu tivesse ido para os Estados Unidos,
na época, e se soubesse explorar o mercado como faz esse pessoal hoje com a
lambada, a história seria outra”, avalia. Vinde e cinco anos depois, Albanese só
fica contrariado quando pensa nos direitos de autor, que não são devidamente
respeitados no Brasil. Por conta disso, todo ano, no Dia Nacional do Direito
Autoral, remete às emissoras de rádio e às redações de jornais e revistas um
manifesto em que expressa a sua revolta. “Pode não dar resultado, mas não posso
deixar passar em branco. Alguma coisa tem de ser feita”. *VEJA/5/9/1990.
DEPOIMENTO DE HOWARD FRANÇA
Cyro: um talento respeitado entre os músicos
Tive a felicidade de conviver com os dois, o maestro na época da grande TV
Record, Show do dia 7, Corte Rayol Show, programa do principe
Roni Von, nas tarde de domingo com o Rei Roberto Carlos, o maestro, sempre
uma pessoa de educação irreparável, calmo e tranquilo, nutria para com todos os
músicos um enorme e reconhecido respeito. Eu fazia parte do trio Salinas que
acompanhava naquela oportunidade os shows de Agnaldo Rayol, Moacyr Franco e
outros artistas, posto que éramos contratados pelo escritório do mega-empresário
Marcos Lázaro. O maestro Cyro Pereira sempre mereceu de todos músicos enorme
respeito, todos os arranjos para ele reger eram ensaiados com todo o carinho,
enquanto não estivesse tudo limpinho ele não sossegava. Nessa nossa convivência
com o Theatro Record, a amizade com as estrelas do momento era inevitável,
algumas eram dotadas do “não me toques”, afinal ali era a meca do mundo
artístico, mas a maioria era solícita e amigável, e uma dessas criaturas simples
era a cantora Claudia, que pela qualidade como cantora causava enormes ciúmes às
estrelas do momento. Sempre ao lado dela estava o maestro Mario Albanese, pessoa
simples, de um conhecimento musical impressionante. Lembro-me do dia em ele foi
me mostrar o Jequibau, que como baterista eu tinha obrigação de saber, confesso
que no momento senti dificuldades, afinal o nosso samba é em 2/4 sincopado e eu
sentia dificuldes em dividir em 5/4, mas com suas orientações achei a maneira
correta de executar a divisão e acabei sendo considerado por muitos o baterista
que conseguia tocar o 5/4 sem perder o balanço do nosso ritmo. Mario Albanese é
uma criatura incrível, um dos grandes amigos da minha juventude (que saudade !)
a quem faço questão de enviar um enorme abraço. Na minha modesta opinião o
jequibau foi sucesso nos Estados Unidos em função da qualidade do estudo daquele
país. Sou do tempo em que o baterista tinha de estudar sozinho ou com métodos de
Gene Krupa, Bad Rich e outros precursores do instrumento. Dei muita sorte porque
tive professores importantes como o maestro Hervé Cordovil, Osmar Milani, Daniel
Alberto Salinas. No instrumento tive o baterista Dirceu o mais técnico do Brasil
na época, do contário não teria executado meu instrumento como se deve, e assim
vi muitas promessas se perderem pelo caminho. Ao meu querido amigo MAESTRO CIRO
PEREIRA, ele que agora acaba de receber a batuta da orquestra do céu, imagino a
sua felicidade, ele que tanto amor devotou á música, terá a mais surpreendente
orquestra celestial para reger, e o coral de anjos mais afinado, afinação que
ele sempre exigiu de seus músicos, e agora vai ouvi-la com todo o esplendor, boa
sorte maestro e até já.
A Jazz Sinfônica: criação de Cyro Pereira
VEJA.COM 15/06/2011
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