segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

TALISMÃ

Um grande nome do samba paulistano



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

No ano em que a Escola de Samba Camisa Verde e Branco retorna ao grupo principal do Carnaval paulistano, nada melhor para fazer uma homenagem à agremiação da Barra Funda do que falar de um de seus maiores representantes, o compositor Talismã, autor de alguns de seus grandes sambas-enredo e de seu hino. 
Talismã nasceu Octávio da Silva, no bairro carioca da Piedade. Violonista, compositor e carnavalesco com prática na confecção de esculturas em papel machê, muito comuns nos carnavais do passado, ele desfilou alguns anos na União de Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio. Seu irmão, o jornalista e radialista Edmundo Andrade, era compositor de sambas-sincopados e autor de jingles comerciais e políticos. Convidado por Inocêncio Tobias, o Mulata, presidente e fundador da Camisa Verde e Branco, de São Paulo, em 1967, Talismã mudou-se para São Paulo, onde viveu o resto de sua vida, tendo colaborado como compositor e carnavalesco com diversas escolas da Terra da Garoa, entre elas, a Rosas de Ouro, o Morro da Casa Verde e a Unidos de Vila Maria, além da Camisa, escola da qual é autor do samba-hino Sou Verde e Branco (parceria com Jordão), vencedor do Festival de Samba de Quadra (1974). Na Camisa, logo que chegou à cidade, venceu o samba-enredo de 1968 (Há Um Nome Gravado na História: 13 de Maio) e de 1969, Biografia do Samba, que levou o cordão Camisa Verde e Branco ao título e se tornou o Hino do Samba de São Paulo. Em 1971, venceu novamente o samba-enredo no cordão com Sonho Colorido de Um Pintor (parceria com Benedito Lobo), gravado com sucesso por Tom Zé. Negro Maravilhoso (1982, gravada pelos Originais do Samba) é outro de seus grandes sambas feitos para a verde e branco da Barra Funda. Na Vila Maria compôs um poético samba-enredo que foge a todos os padrões do gênero: Quando Chega a Primavera (1973). Nos anos 70, Talismã participou durante muitas semanas no TBC de um espetáculo de Plínio Marcos que reunia Zeca da Casa Verde, Geraldo Filme e Tuniquinho Batuqueiro. O espetáculo viajou por outras cidades, com Plínio contando "histórias das quebradas do mundaréu" e os sambistas mandando seu recado. O dramaturgo santista conhecia bem o compositor. 

Uma rara foto do poeta


Em dezembro de 1976 ele escreveu no Folhetim, suplemento cultural da Folha de S. Paulo:
“O Talismã de Rocha Miranda, Seu Mumu pros íntimos, é sem favor nenhum um dos maiores artistas populares do Brasil. Fez de tudo. Poeta de uma pureza rara, compositor de grande sensibilidade, escultor primoroso, que sempre ganha nota dez com os seus carros-alegóricos, tocador de violão, cantor, humorista e tudo mais. Como veio, nem ele sabe explicar direito. Dizem que foi depois de um fracasso que teve no Circo do Dudu, lá no Rio de Janeiro. Anunciaram o Talismã e ele entrou todo cheio de manha, com seu violão. Mas, antes de anunciar a música, a platéia começou a exigir que ele cantasse um jingle do Detefon, que era muito tocado nas rádios. O Talismã não queria. Não tinha nada que ver com o jingle. Mas, a platéia insistia, insistia e, pra evitar que quebrassem o circo, ele cantou. Saiu do espetáculo arrasado. Pegou o ônibus e veio embora. Quando deu por si, estava em São Paulo. Quando deu por si, já estava fazendo samba pro Camisa Verde e Branco. Foi metendo a mão. Quando o Talismã chegou em São Paulo, o forte eram os cordões. Escola de samba saía na base de muita cor, valendo fantasia de toureiro, pirata da perna de pau, jardineiro e dominó. Talismã se assustou. Pensou em ir embora. Mas não foi. Hoje está inteirinho em São Paulo.”


Beth Carvalho canta Meu Sexto Sentido:


Em 1979, o compositor teve seu samba Meu Sexto Sentido (parceria com Raymundo Prates) gravado no LP No Pagode, de Beth Carvalho, que já nessa época garimpava o samba bom pela Paulicéia, onde no início dos anos 80 chegou a batizar a Rua do Samba, que a Camisa Verde e Branco, escola de Talismã, promovia diante do salão São Paulo Chic, na Rua Brigadeiro Galvão, na Barra Funda. Não precisa dizer que o compositor foi uma das grandes atrações daquele domingo, para delírio das 5 000 pessoas ali reunidas. Foi um momento de consagração do poeta, quando Beth, generosa, o chamou ao palco e cantou seu samba. Ele, todo sem jeito, recolheu os louros da vitória de ser gravado pelo nome maior do samba na época. Talismã era um sujeito tímido, falava baixo e se movia com certa lentidão. Nunca se ouviu sua voz erguer-se em protesto. Até para dar bronca ou reclamar era suave. Sensível, poeta 24 horas por dia, ele amava a natureza, tema recorrente em suas letras. Adorava os animais. Era capaz de ficar triste ao ver um cão vira-latas farejando comida com olhar pidão. Foi com esse coração mole que ele sofreu o baque numa história que, para seu desespero, virou piada no mundo do samba. Certa vez ele ganhou um pato, bicho que criou com carinho, fazendo dele seu animalzinho de estimação. O pato o seguia pela casa toda, sempre atrás de sua atenção, carinho e ração. Tinha até nome, a ave. Seu irmão, Edmundo, chegou do Rio com muita fome - tempo de vacas magras - e foi direto para a sua casa, na Zona Norte paulistana. Chegou pensando no almoço, mas encontrou a casa vazia. Boa mão de tempero, Edmundo viu o pato no quintal e logo o apresentou à panela. A tragédia vocês imaginam. Quando Talismã chegou em casa e viu aquela fartura de penas pelo quintal, pressentiu o pior. Seu luto durou meses. Anos depois, ele ainda se lembrava do episódio com uma tristeza de dar dó. Talismã era de um lirismo acentuado, capaz de versos derramados, mas capaz também de endurecer o verso, sem perder a poesia, como fez em Sonho Colorido de Um Pintor (parceria com B. Lobo), ao tingir o amor de cinza escuro, ou nesse samba de dor-de-cotovelo:

Se Deus deixasse eu voltar atrás
E eu pudesse escolher como seguir
Certamente minha opinião 
Preferia solidão a lhe aderir

É um peso morto pendurado em mim
Traste que não posso me desvencilhar
É uma aranha e eu caí em sua teia
Minha alma anseia por se libertar

Veneno o que corre em suas veias
Só ódio semeia no seu modo de falar
Lhe dei afeto, dei-lhe um teto
Apanhei na rua
Mas agora preciso tirar minha vida da sua

Talismã (com o violão): encontro de compositores na Mocidade Alegre, 1974

Como o irmão Edmundo, era exímio autor de sambas sincopados e humorosos. Gasolina gravou dos irmãos o samba Escureceu, em 1960. Este samba deu ao cantor Athayde Dias a vitória como intérprete no programa A Grande Chance, de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi do Rio, em 1971. Mais tarde, Noite Ilustrada incluiu o samba em um de seus discos. Em 1967, no disco Catedrático do Samba, Germano Mathias gravou da dupla o samba Mania Lírica. De qualquer modo, Talismã gravou pouco para tanto talento. Sua memória se perde nas poucas gravações em discos antigos de catálogos desbotados e nos sambas-enredo que fez para agremiações carnavalescas paulistanas, muitos deles desconhecidos até dos sambistas mais novos dessas entidades. Uma pena e uma perda importante na memória da nossa música em geral e do samba em particular. Talismã morreu num dia qualquer dos anos 90. Praticamente esquecido. Sua morte não foi notícia dos grandes jornais. Não se sabe a data de seu nascimento, nem tampouco o dia de sua morte.


Duda Ribeiro canta Biografia do Samba:


Aluns sambas de Talismã

Verde e Branco Até a Morte



(Talismã e Jordão)

Sou Verde e Branco

Até a morte!
Do verde e branco, não me separarei
Deu-me tantas alegrias
Belos carnavais que eu passei - (eu passei)
Na sua bandeira
Enxuguei o pranto
De uma dor não esquecida
Deslumbrante, na avenida... ( Bis)
A minha escola
Realmente é a mais querida
De janeiro a janeiro .....( Bis)
O ensaio é geral (geral)
O samba é o nosso ideal
Láraiá láia láia


Meu Sexto Sentido

(Talismã e Raymundo Prates)

A noite vem chegando

Com ela meu sofrimento
Solidão é meu tormento
Buscá-lo não devo ir
Até os passarinhos que cantavam em madrigais
Agora já não cantam mais
Agora já não cantam mais

Meu sexto sentido me diz

Que ele sente saudade
E que a sua felicidade
Está junto a mim
Brigamos, ele foi embora
Eu não vou atrás
Se ele volta eu não brigo mais
Se ele volta eu não brigo mais


Biografia do Samba

(Talismã e Tabu)

A Biografia do Samba é linda

Não vou narrar, porque o tempo
Não me favorece
Simplesmente por alto eu digo
Ela veio dos lamentos
Dos escravos, ao fazerem suas preces
Ô ô ô ô, são súplicas que o Brasil
Jamais esquece
O samba tomou seu feitio no morro
Está na sociedade, não ficou só por aqui
Eu sei que há de aparecer
Alguém que faça pelo samba
Como Carlos Gomes fez com Guarani
Laia, Laia, Laia, Laia
Laia, Laia, Laia, Laia


Sonho Colorido de um Pintor

(Talismã e B. Lobo)

Sonhei que pintei minhas noites de amarelo

lindas estrelas no meu céu eu coloquei
o feio que era feio ficou belo
até o vento do meu mundo eu perfumei.
Numa apoteose de poesia
num conjunto de harmonia
uma lua roxa para iluminar
as águas cor-de-rosa do meu mar.

Meu sol eu pintei de verde

que serve pra enxugar lágrimas
se um dia precisar.
A dor e a tristeza
fiz virar felicidade
aproveitei a tinta
e pintei sinceridade.

Pintei de azul o presente

de branco pintei o futuro
o meu mundo só tem primavera
o amor eu pintei cinza escuro.

Pra lá eu levei a bondade

dourada é sua cor
aboli a falsidade
o meu povo é incolor.

Na entrada do meu mundo

tem um letreiro de luz
meu mundo não é uma esfera
tem o formato de cruz.


Quando Chega a Primavera

(Talismã)

Quando chega a primavera

Meu Brasil floresce
Trepadrias crescem
Brilha o sol com mais fulgor
Os casais de namorados
Ficam mais apaixonados
Poemas são declamados
Sob lágrimas de amor
E bem cedinho os passarinhos
Vão transmitindo seus gorjeios pelo ar
E a flagrância da brisa é um encanto
Mil pirilampos pela noite a cintilar
É deslumbrante o que vemos
Sob este céu de anil
Quando chega a primavera no Brasil


Negros Maravilhosos - Mutuo Mundo Kitoko

(Talismã)

Achei uma bola de ferro

Presa nela uma corrente
Tinha um osso de canela
Deu tristeza em minha mente
Esse osso de canela
Veio de outro continente

De jeito nenhum, não é preconceito

Negro ou Branco têm direito
Nossa escola não faz distinção de cor
Pra falar sobre esse tema
Foi que surgiu o problema
E o dilema se avizinhou

ÔÔ, ÔÔ, a nossa escola

Enaltece a negra gente
Que nunca ficou chorando
Sempre viveu cantando, fingindo contente

Negro paga imposto

Negro vai a guerra
Negro ajudou a construir a nossa terra
Temos a pergunta
Não nos leve a mal
Por que só no triduo de Momo
Que o negro é genial?

Ele é capitão

Ele é general
Poderia ser tantas coisas
Dentro da vida real
Laia laia laia laia laia, ôô



VEJA.COM 17/04/2011

Um comentário:

  1. Boa tarde a todos,foi meu primeiro contato vim olhar sobre o Talismã da casa Verde e de todos nós....,achei ótima a iniciativa,contem comigo .vou propagar,obrigado.
    Cesar-Mestiço Paghão)

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