Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Vamos relembrar Caco Velho, o Sambista Infernal, que com uma voz pequena, mas
bem colocada, criou um estilo que influenciou uma geração de intérpretes,
mostrando que a bossa não está na força, mas no jeito. O gaúcho Matheus Nunes, o
Caco Velho, morreu jovem, aos 51 anos, em 14 de setembro de 1971. Vamos conhecer um
pouco da vida e da carreira desse genial sambista, que teve a honra de ser
gravado com imenso sucesso pela portuguesa Amália Rodrigues, a maior fadista de
todos os tempos.
Caco Velho: inspiração para Germano
Matheus
Nunes, o Caco Velho, cantor, compositor e ritmista que inspirou Germano Mathias,
nasceu no Rio Grande do Sul, no dia 12 de março de 1920, e morreu em São Paulo,
onde desenvolveu sua carreira. O apelido ele ganhou, ainda na infância, devido a
um sucesso de Ary Barroso (Caco Velho, 1934) que costumava cantar enquanto
vendia balas e cigarros num tabuleiro pelos bares da cidade:
Reside no subúrbio do Encantado
Num barracão abandonado
João de tal,
cabra falado
Dizem que viveu fora da lei
Foi um rei que zombava da
morte
E tinha um santo forte
No meio da gente bamba
O seu prazer era
tirar um samba
Pulava, dava rasteira
Topava briga de qualquer
maneira
Mas hoje é um caco velho
Que não vale nada
De vendedor, ele acabou passando a músico de um desses bares, fazendo o ritmo
em caixa de fósforos, tamborim e pandeiro com uma habilidade que acabou por
levá-lo para o rádio, onde passou a integrar um conjunto regional. “Ele começou
como pandeirista. Era muito bom, tinha muito ritmo. Um dia faltou o cantor, ele
foi quebrar o galho e se consagrou”, diz Germano, que teve no gaúcho o modelo
para seu modo de cantar, um estilo cheio de bossa, que compensava a voz pequena.
Aos 22 anos de idade, Caco Velho venceu um concurso de músicas carnavalescas com
o samba Eu Ando à Procura, superando ninguém menos que Lupicínio Rodrigues, que
ficou em segundo lugar. Para espanto geral, Caco Velho emplacou outro samba, Que
Coisa Louca, em terceiro lugar. Aos 24 anos compôs a toada Mãe Preta, sua
primeira música gravada (com Piratini). Em 1944, já em São Paulo, gravou o
primeiro disco, pela Odeon, com os sambas Briga de Gato (Lupicínio Rodrigues e
Felisberto Martins) e Maria Caiu do Céu (em parceria com Nilo Silva). Nos anos
50, já conhecido como “o Sambista Infernal”, Caco Velho chegou a gravar músicas
nordestinas, seguindo uma onda da indústria fonográfica, mas logo voltou ao
samba, gênero no qual imprimiu sua marca. “Ninguém dividia como ele”, diz
Germano.
Samba no teclado: multitalento
Caco Velho canta Por Um Beijo Teu:
Ainda nos anos 50, Caco Velho passou dois anos em Paris, como crooner da
orquestra de George Henri, firmando-se como uma das vozes mais respeitadas da
música brasileira. Grande sucesso dos anos 60, Tem Que Ter Mulata, de Túlio
Piva, foi uma das marcas de sua carreira:
O samba pra ser samba brasileiro
Tem que ter pandeiro
Tem que ter
pandeiro
O samba pra ser samba na batata
Tem que ter mulata
Tem que ter
mulata
O sucesso o transformou em empresário da noite. Os anos 60 o encontraram
como dono da boate Brasilian’s Bar, que se tornou um ponto de encontro de
artistas nacionais e estrangeiros em visita à cidade, gente do naipe de
Agostinho dos Santos e do francês Sacha Distel. Consagrado em sua terra, em 1966
ele foi para San Francisco, Califórnia, onde ficou até 1968. Durante uma
temporada em Portugal, a grande fadista Amália Rodrigues gravou sua
composição Barco Negro (Mãe Preta*), com estrondoso sucesso. A diva portuguesa
regravaria muitas vezes Barco Negro, que recebeu letra do ilustre
poeta português David Mourão-Ferreira (1927-1996):
De manhã, que medo, que me achasses feia
Acordei, tremendo, deitada
n’areia
Mas logo os teus olhos disseram que não
E o sol penetrou no meu
coração
(Há vários vídeos de Amália cantando a música, no Youtube)
(Há vários vídeos de Amália cantando a música, no Youtube)
Fiel ao pandeiro no samba
De volta a São Paulo, em 1970, abriu nova casa noturna (Sem Nome Drinks) e
participou do programa Som Livre Exportação, na TV Globo. Morreu no ano
seguinte, no Hospital das Clínicas, onde estava internado havia
algum tempo. Deixou a mulher e quatro filhas. Seu corpo foi velado no Araçá, com
a presença da fina flor da velha música brasileira, como Joel de Almeida (o Rei
das Marchinhas), Germano Mathias e Noite ilustrada.
Baixo acústico: músico completo
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