quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

CACO VELHO

Um gaúcho bom de samba



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Vamos relembrar Caco Velho, o Sambista Infernal, que com uma voz pequena, mas bem colocada, criou um estilo que influenciou uma geração de intérpretes, mostrando que a bossa não está na força, mas no jeito. O gaúcho Matheus Nunes, o Caco Velho, morreu jovem, aos 51 anos, em 14 de setembro de 1971. Vamos conhecer um pouco da vida e da carreira desse genial sambista, que teve a honra de ser gravado com imenso sucesso pela portuguesa Amália Rodrigues, a maior fadista de todos os tempos.

Caco Velho: inspiração para Germano

Matheus Nunes, o Caco Velho, cantor, compositor e ritmista que inspirou Germano Mathias, nasceu no Rio Grande do Sul, no dia 12 de março de 1920, e morreu em São Paulo, onde desenvolveu sua carreira. O apelido ele ganhou, ainda na infância, devido a um sucesso de Ary Barroso (Caco Velho, 1934) que costumava cantar enquanto vendia balas e cigarros num tabuleiro pelos bares da cidade:

Reside no subúrbio do Encantado
Num barracão abandonado
João de tal, cabra falado
Dizem que viveu fora da lei
Foi um rei que zombava da morte
E tinha um santo forte
No meio da gente bamba
O seu prazer era tirar um samba
Pulava, dava rasteira
Topava briga de qualquer maneira
Mas hoje é um caco velho
Que não vale nada

De vendedor, ele acabou passando a músico de um desses bares, fazendo o ritmo em caixa de fósforos, tamborim e pandeiro com uma habilidade que acabou por levá-lo para o rádio, onde passou a integrar um conjunto regional. “Ele começou como pandeirista. Era muito bom, tinha muito ritmo. Um dia faltou o cantor, ele foi quebrar o galho e se consagrou”, diz Germano, que teve no gaúcho o modelo para seu modo de cantar, um estilo cheio de bossa, que compensava a voz pequena. Aos 22 anos de idade, Caco Velho venceu um concurso de músicas carnavalescas com o samba Eu Ando à Procura, superando ninguém menos que Lupicínio Rodrigues, que ficou em segundo lugar. Para espanto geral, Caco Velho emplacou outro samba, Que Coisa Louca, em terceiro lugar. Aos 24 anos compôs a toada Mãe Preta, sua primeira música gravada (com Piratini). Em 1944, já em São Paulo, gravou o primeiro disco, pela Odeon, com os sambas Briga de Gato (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins) e Maria Caiu do Céu (em parceria com Nilo Silva). Nos anos 50, já conhecido como “o Sambista Infernal”, Caco Velho chegou a gravar músicas nordestinas, seguindo uma onda da indústria fonográfica, mas logo voltou ao samba, gênero no qual imprimiu sua marca. “Ninguém dividia como ele”, diz Germano.

Samba no teclado: multitalento

Caco Velho canta Por Um Beijo Teu:

Ainda nos anos 50, Caco Velho passou dois anos em Paris, como crooner da orquestra de George Henri, firmando-se como uma das vozes mais respeitadas da música brasileira. Grande sucesso dos anos 60, Tem Que Ter Mulata, de Túlio Piva, foi uma das marcas de sua carreira:

O samba pra ser samba brasileiro
Tem que ter pandeiro
Tem que ter pandeiro
O samba pra ser samba na batata
Tem que ter mulata
Tem que ter mulata

O Sambista Infernal: modelo de intérprete

O sucesso o transformou em empresário da noite. Os anos 60 o encontraram como dono da boate Brasilian’s Bar, que se tornou um ponto de encontro de artistas nacionais e estrangeiros em visita à cidade, gente do naipe de Agostinho dos Santos e do francês Sacha Distel. Consagrado em sua terra, em 1966 ele foi para San Francisco, Califórnia, onde ficou até 1968. Durante uma temporada em Portugal, a grande fadista Amália Rodrigues gravou sua composição Barco Negro (Mãe Preta*), com estrondoso sucesso. A diva portuguesa regravaria muitas vezes Barco Negro, que recebeu letra do ilustre poeta português David Mourão-Ferreira (1927-1996):

De manhã, que medo, que me achasses feia
Acordei, tremendo, deitada n’areia
Mas logo os teus olhos disseram que não
E o sol penetrou no meu coração
(Há vários vídeos de Amália cantando a música, no Youtube)

Fiel ao pandeiro no samba

De volta a São Paulo, em 1970, abriu nova casa noturna (Sem Nome Drinks) e participou do programa Som Livre Exportação, na TV Globo. Morreu no ano seguinte, no Hospital das Clínicas, onde estava internado havia algum tempo. Deixou a mulher e quatro filhas. Seu corpo foi velado no Araçá, com a presença da fina flor da velha música brasileira, como Joel de Almeida (o Rei das Marchinhas), Germano Mathias e Noite ilustrada.

Baixo acústico: músico completo

Ouça Mãe Preta com Rolando Boldrin e Germano Mathias:


VEJA.COM
27/09/2010


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