segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

MARISA GATA MANSA

Doçura felina

Marisa canta Antonio Maria


Com músicas de Antonio Maria,
Marisa Gata Mansa volta ao disco
em grande forma.

Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Depois de um jejum de vinte anos sem pisar num estúdio de gravadora, a cantora Marisa volta ao disco com um repertório perfeito para a voz suave que lhe valeu o apelido de Gata Mansa. É o que se pode conferir no CD Encontro com Antonio Maria, que acaba de sair do forno com catorze das melhores músicas do compositor pernambucano, entre elas o Frevo nº 2 do Recife, clássico do gênero que consagrou versos como saudade que tenho/são maracatus retardados/que voltam para casa cansados com seus estandartes no ar.
Marisa Vértulo Brandão, 64 anos, era cantora de orquestra quando entrou em contato com a bossa nova. Foi nesse meio que conheceu o jovem João Gilberto, recém-saído do grupo Garotos da Lua, que a convidou para gravar uma de suas músicas. Corria o ano de 1953 e a garota estreava em disco com Você Esteve com Meu Bem, a primeira de um repertório primoroso em que se destacam sucessos como Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e Viagem, de Paulo César Pinheiro e João Aquino. O disco que chega agora às lojas é o ótimo subproduto de um projeto que começou como espetáculo teatral, mas até agora segue à espera de patrocínio. Embora se tenha antecipado ao show que lhe daria origem, o disco tem vida própria e realiza um antigo sonho de Marisa, que era colocar num mesmo trabalho o filé da produção desse grande compositor.

O novo disco: resgatando cronista compositor

Coração sofredor — Filho e neto de usineiros pernambucanos, Antonio Maria cursou o colégio Marista do Recife, estudou francês e agronomia e trabalhou como técnico em projetos de irrigação de cana nas propriedades da família. Mas seu mundo, pensava ele, era o rádio. No Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1940, aos 19 anos de idade, trabalhou como diretor de produção em emissoras de rádio e televisão e durante quinze anos publicou crônicas diárias em jornais cariocas.
Intuitivo, não tocava nenhum instrumento para compor, embora tivesse estudado piano durante a infância no Recife. Sua carreira de compositor começou em grande estilo, com a gravação em 1952 de Ninguém Me Ama, uma parceria com o conterrâneo Fernando Lobo, na voz de Nora Ney, regravada centenas de vezes desde então. A última delas neste disco de Marisa, com uma participação inusitada do ator Reinaldo Gonzaga, com quem ela pretende dividir o espetáculo ainda inédito. Antonio Maria morreu em 1964, aos 43 anos de idade, com o coração cheio de paixão e cardiopatias.
Dono de um humor cortante, não poupava a si mesmo da fina ironia: “Há homens por quem as mulheres se apaixonam à primeira vista. Já eu preciso conversar três horas até que elas esqueçam minha cara”. Esse tom amargo aparece em suas canções sem o humor das crônicas que o celebrizaram. Se eu morresse amanhã de manhã/ não faria falta a ninguém e Ninguém me ama/Ninguém me quer (com Fernando Lobo) são exemplares de sua poesia contemplados no álbum. Exuberante em seu lirismo, Antonio Maria tem neste CD algumas de suas melhores parcerias. De seu trabalho com Luís Bonfá, Marisa gravou Manhã de Carnaval e Samba de Orfeu, ambos da trilha sonora do filme Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus. Com Pernambuco, a regravação de A Canção dos Seus Olhos, um antigo sucesso de Marisa nos anos 60, e, a mais famosa, O Amor e a Rosa, faixa de abertura do disco. Recuperada de uma isquemia que a impediu de exercer a profissão durante mais de um ano, Marisa retorna em grande forma, com a mesma voz doce da menina lançada por João Gilberto.

VEJA, 08/10/1997.

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