terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

GUTEMBERG GUARABYRA

Fala, Gutemberg! 


Por Julio Cesar Cardoso de Barros


Além de vencer o 2º Festival Internacional da Canção, na parte nacional, com a música Margarida, em 1967, Gutemberg Guarabyra, nascido em Barra (antiga Vila de São Francisco de Chagas da Barra do Rio Grande), no sertão baiano, venceu o Festival de Juiz de Fora, em 1969, com Casaco Marrom, uma parceria com Renato Corrêa (Golden Boys) e Danilo Caymmi. Interpretada pela cantora Evinha (Trio Esperança), a música estabeleceu um dos maiores sucessos de execução da época. O excelente compositor tornou-se também produtor musical (TV Tupi), diretor artístico (6º FIC e Festival de Juiz de Fora) e publicitário premiado, compondo jingles ao lado de Luiz Carlos Sá. Numa época em que a moda eram as músicas engajadas, Guarabyra estava mais para um agente do flower Power, num misto de hippie com trovador medieval. Autor gravado por artistas do porte de Milton Banana Trio, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, João Donato, Zizi Possi, Sérgio Reis e Agostinhos do Santos, Gutemberg falou com a gente: 

 Numa época em que a onda na MPB eram as músicas engajadas, feitas por compositores com militância política ou por artistas populares, como João do Vale e Zé Kéti, como a vitória de Margarida foi recebida? 
R- Muito bem. Aliás, até pode ter sido o caráter tranquilo e despojado da música a razão de ter vencido. Outro dia estive com um compositor concorrente no mesmo festival e brinquei que minha música só tinha vencido porque todas as outras eram tristes e a minha era a única aragem fresca da manhã em toda aquela noite de tempestades pela qual o Brasil passava na época. Além disso, hoje sei que o público interpretava em mim uma espécie de símbolo daquilo que os heróis populares geralmente representam. Eu era apenas um menino anônimo, 19 anos à época, chegado do sertão longínquo do rio São Francisco, sobrevivendo na cidade grande às custas de um emprego humilde de office-boy etc. Portanto, aquele apoio todo da população do Rio, milhares de pessoas enfeitadas de margarida fazendo um verdadeiro carnaval no Maracanãzinho e também por toda a cidade, onde a flor virou moda, tinha por trás uma força humana alheia à luta política que se desenrolava. Isso pegou todo mundo de surpresa. Inclusive eu, claro. 

 Você sofreu patrulha da esquerda festiva, que invadia os festivais pronta para vaiar qualquer coisa que não fosse engajada? 
R- Não, porque como já falei minha música e meu surgimento foram fenômenos que correram por fora disso tudo. A vaia que levei na noite em que Margarida se consagrou em primeiro lugar foi a vaia normal que todo ganhador de festival leva. Naquele momento, você tem apenas a sua torcida o aplaudindo enquanto as 29 demais torcidas, naturalmente decepcionadas, descarregam sua frustração. Não há como escapar da vaia de vencedor. Nem Chico e Tom, que também venceram o mesmo festival, com Sabiá, escaparam dela. 

O que levou à saída do Zé Rodrix do trio, em 1973? 
  R- Zé era um sujeito muito mais ordeiro e aplicado que a gente (eu e Sá). Era um arranjador, escritor, tinha uma necessidade enorme de viver em contato com os livros, com as partituras e, em razão disso, tinha a necessidade de dispor de um lugar para estudar, refletir. Enfim, era essencial para ele viver em casa, enquanto eu e Sá éramos loucos por aventura, dormíamos em qualquer lugar nas estradas, tínhamos uma fome enorme de ver, presenciar o Brasil. Foi mais por isso que o trio se desfez.   

E o que motivou a reunião da tropa em 2001? Foi só a perspectiva de participar do Rock in Rio? 
  R- Aconteceu que logo depois de nossa separação já não estávamos mais separados. No início brigamos feito crianças, uma briga muito infantil. Acho que o ser humano tem uma necessidade muito grande de justificar esse tipo de situação em que a separação é inevitável. Há que se buscar um culpado sempre. Mas às vezes – diria até que na maioria das vezes – não há motivo algum para briga, embora persistam os motivos para a separação. Foi assim que, mesmo sem conversar sobre o assunto, sem “discutir a relação”, a gente se viu de repente se encontrando de novo, Zé fazia arranjos pros discos da dupla, participava nos vocais das gravações etc. De modo que quando o Rock in Rio nos avisou que tinha resolvido fazer uma homenagem aos criadores do rock rural e ao rock rural em si, foi pra lá de natural convidar Rodrix para cantar com a gente. Afinal, a homenagem era dirigida a ele também. O que não havíamos planejado, pelo menos conscientemente, era que depois do Rock in Rio voltaríamos à estrada juntos novamente como trio. 

A nova reunião dos três, em 2008, para a gravação do CD Amanhã, significava que vocês iam ganhar estrada novamente? 
  R- Na verdade já estávamos na estrada de novo. Desde o Rock in Rio 2001 que excursionávamos Brasil afora normalmente. Aliás, a volta do trio aconteceu como uma coisa boa na vida dos três. Foi excelente descobrir que havia um público específico do trio, que amava as músicas do trio. Uma ocasião muito especial, logo após nosso reencontro, se deu na cidade de Navegantes, em Santa Catarina. Fomos nos apresentar lá sem banda, apenas a gente com nossos instrumentos. Gostávamos muito de nos apresentar assim. Era uma boa oportunidade para nos ouvir novamente nos acordes soando muito limpos, saltando dos instrumentos e principalmente dos nossos vocais, que sempre foi uma parte que apreciávamos caprichar e curtir. Ainda mais quando o show acontecia em um bom teatro, com acústica ideal, como era o caso. Então estávamos animados nos camarins antes da apresentação. Brincávamos, descontraídos, gozando a cara um do outro, como era de nosso feitio. Aí, quando fomos chamados, entramos no palco procurando nos concentrar e nos dirigimos aos nossos instrumentos. Porém, se deu uma coisa que até agora me emociono quando lembro. Ainda sem termos emitido um único som, enquanto o Zé se acomodava ao piano e eu e Sá passávamos por sobre os ombros as correias dos violões, alguém iniciou um aplauso tímido na platéia, e esse aplauso foi sendo ampliado aos poucos, aqui ao lado, mais no fundo. Segundos depois, o público de pé, num teatro enorme totalmente lotado, aplaudia o trio sem parar. Era como se a nossa volta fosse ainda mais importante do que o próprio espetáculo que íamos oferecer. Ficamos perplexos. Entendemos ali isso que já disse. Havia um público específico do trio, e ele estava com saudades. 

 Quais são os planos, agora, com a ausência do Zé Rodrix? A dupla planeja uma turnê? 
R- Os planos agora são lançar um disco novo o mais rapidamente possível. No início achávamos que poderíamos completar a turnê do disco Amanhã mesmo sem Rodrix. Mas logo vimos que sem a voz e a presença peculiar do nosso companheiro jamais o trio existiria de novo. Foi difícil constatar isso e achamos que será também difícil o processo de reconstrução de nossa própria carreira que já estava embalada em direção a outro destino. Mas a vida é assim mesmo. Quem não recomeça não vive.


Sá e Guarabyra cantam Dona:



   Guarabyra recebe o troféu no FIC das mãos da
   atriz Kim Novak e do maestro Henry Mancini

    O compacto simples com Margarida

    Evinha: sucesso com Casaco Marrom

Margarida, com Roupa Nova:

Guarabyra canta Espanhola:


VEJA.COM 27/09/2010

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