Além de vencer o 2º Festival Internacional da Canção, na parte
nacional, com a música Margarida, em 1967, Gutemberg Guarabyra, nascido em
Barra (antiga Vila de São Francisco de Chagas da Barra do Rio Grande), no sertão
baiano, venceu o Festival de Juiz de Fora, em 1969, com Casaco Marrom, uma parceria com
Renato Corrêa (Golden Boys) e Danilo Caymmi. Interpretada pela cantora
Evinha (Trio Esperança), a música estabeleceu um dos maiores sucessos de
execução da época. O excelente compositor tornou-se também produtor musical (TV
Tupi), diretor artístico (6º FIC e Festival de Juiz de Fora) e publicitário
premiado, compondo jingles ao lado de Luiz Carlos Sá. Numa época em que a moda
eram as músicas engajadas, Guarabyra estava mais para um agente do flower
Power, num misto de hippie com trovador medieval. Autor gravado por artistas do
porte de Milton Banana Trio, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, João Donato, Zizi
Possi, Sérgio Reis e Agostinhos do Santos, Gutemberg falou com a gente:
Numa época em
que a onda na MPB eram as músicas engajadas, feitas por
compositores com militância política ou por artistas
populares, como João do Vale e Zé Kéti, como a vitória de Margarida foi recebida?
R- Muito bem. Aliás, até pode ter sido o caráter tranquilo e
despojado da música a razão de ter vencido. Outro dia estive com um compositor
concorrente no mesmo festival e brinquei que minha música só tinha vencido
porque todas as outras eram tristes e a minha era a única aragem fresca da
manhã em toda aquela noite de tempestades pela qual o Brasil passava na época.
Além disso, hoje sei que o público interpretava em mim uma espécie de símbolo
daquilo que os heróis populares geralmente representam. Eu era apenas um menino
anônimo, 19 anos à época, chegado do sertão longínquo do rio São Francisco,
sobrevivendo na cidade grande às custas de um emprego humilde de office-boy
etc. Portanto, aquele apoio todo da população do Rio, milhares de pessoas
enfeitadas de margarida fazendo um verdadeiro carnaval no Maracanãzinho e
também por toda a cidade, onde a flor virou moda, tinha por trás uma força
humana alheia à luta política que se desenrolava. Isso pegou todo mundo de
surpresa. Inclusive eu, claro.
Você sofreu
patrulha da esquerda festiva, que invadia os festivais pronta para vaiar
qualquer coisa que não fosse engajada?
R- Não, porque como já falei minha música e meu surgimento foram
fenômenos que correram por fora disso tudo. A vaia que levei na noite em que Margarida se consagrou
em primeiro lugar foi a vaia normal que todo ganhador de festival leva. Naquele
momento, você tem apenas a sua torcida o aplaudindo enquanto as 29 demais
torcidas, naturalmente decepcionadas, descarregam sua frustração. Não há como
escapar da vaia de vencedor. Nem Chico e Tom, que também venceram o mesmo
festival, com Sabiá,
escaparam dela.
O que levou à saída
do Zé Rodrix do trio, em 1973?
R- Zé era um sujeito muito mais ordeiro e aplicado que a
gente (eu e Sá). Era um arranjador, escritor, tinha uma necessidade enorme de
viver em contato com os livros, com as partituras e, em razão disso, tinha a
necessidade de dispor de um lugar para estudar, refletir. Enfim, era
essencial para ele viver em casa, enquanto eu e Sá éramos loucos por aventura,
dormíamos em qualquer lugar nas estradas, tínhamos uma fome enorme de ver,
presenciar o Brasil. Foi mais por isso que o trio se desfez.
E o que motivou a
reunião da tropa em 2001? Foi só a perspectiva de participar do Rock in Rio?
R- Aconteceu que logo depois de nossa separação já não
estávamos mais separados. No início brigamos feito crianças, uma briga muito
infantil. Acho que o ser humano tem uma necessidade muito grande de justificar
esse tipo de situação em que a separação é inevitável. Há que se buscar um
culpado sempre. Mas às vezes – diria até que na maioria das vezes – não há
motivo algum para briga, embora persistam os motivos para a separação. Foi
assim que, mesmo sem conversar sobre o assunto, sem “discutir a relação”, a
gente se viu de repente se encontrando de novo, Zé fazia arranjos pros discos
da dupla, participava nos vocais das gravações etc. De modo que quando o Rock
in Rio nos avisou que tinha resolvido fazer uma homenagem aos criadores do rock
rural e ao rock rural em si, foi pra lá de natural convidar Rodrix para cantar
com a gente. Afinal, a homenagem era dirigida a ele também. O que não havíamos
planejado, pelo menos conscientemente, era que depois do Rock in Rio
voltaríamos à estrada juntos novamente como trio.
A nova reunião dos
três, em 2008, para a gravação do CD Amanhã, significava que vocês iam ganhar estrada novamente?
R- Na verdade já estávamos na estrada de novo. Desde o Rock
in Rio 2001 que excursionávamos Brasil afora normalmente. Aliás, a volta do
trio aconteceu como uma coisa boa na vida dos três. Foi excelente descobrir que
havia um público específico do trio, que amava as músicas do trio. Uma ocasião
muito especial, logo após nosso reencontro, se deu na cidade de Navegantes, em
Santa Catarina. Fomos nos apresentar lá sem banda, apenas a gente com nossos
instrumentos. Gostávamos muito de nos apresentar assim. Era uma boa
oportunidade para nos ouvir novamente nos acordes soando muito limpos, saltando
dos instrumentos e principalmente dos nossos vocais, que sempre foi uma parte
que apreciávamos caprichar e curtir. Ainda mais quando o show acontecia em um
bom teatro, com acústica ideal, como era o caso. Então estávamos animados nos
camarins antes da apresentação. Brincávamos, descontraídos, gozando a cara um
do outro, como era de nosso feitio. Aí, quando fomos chamados, entramos no
palco procurando nos concentrar e nos dirigimos aos nossos instrumentos. Porém,
se deu uma coisa que até agora me emociono quando lembro. Ainda sem termos
emitido um único som, enquanto o Zé se acomodava ao piano e eu e Sá passávamos
por sobre os ombros as correias dos violões, alguém iniciou um aplauso tímido
na platéia, e esse aplauso foi sendo ampliado aos poucos, aqui ao lado, mais no
fundo. Segundos depois, o público de pé, num teatro enorme totalmente lotado,
aplaudia o trio sem parar. Era como se a nossa volta fosse ainda mais
importante do que o próprio espetáculo que íamos oferecer. Ficamos perplexos.
Entendemos ali isso que já disse. Havia um público específico do trio, e ele
estava com saudades.
Quais são os planos, agora, com a ausência do Zé Rodrix? A dupla planeja uma turnê?
R- Os planos agora são lançar um disco novo o mais rapidamente
possível. No início achávamos que poderíamos completar a turnê do disco Amanhã mesmo
sem Rodrix. Mas logo vimos que sem a voz e a presença peculiar do nosso
companheiro jamais o trio existiria de novo. Foi difícil constatar isso e
achamos que será também difícil o processo de reconstrução de nossa própria
carreira que já estava embalada em direção a outro destino. Mas a vida é assim
mesmo. Quem não recomeça não vive.
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