Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Se elogio da crítica desse dinheiro, o paulistano Celso Viáfora seria o Bill 
Gates ou o Warren Buffett da MPB. Trafegando na contra-mão dos modismos, ele 
construiu uma carreira sólida e respeitável, que não depende das grandes 
gravadoras. Compositor, intérprete, violonista e arranjador, Viáfora está com CD 
e DVD novos na praça. Trata-se de Batuque de Tudo, seu sexto álbum 
solo, gravado no estúdio Sollua, em Alambari, no interior de São Paulo, em julho 
de 2009, no qual se destacam Daqui, parceria com Zé Edu Camargo, 
Boa Nova, parceria com Beto Betuk e Ivan Lins (que participa da 
gravação), e Voltar Pra Casa, parceria com Vicente Barreto, 
que tem uma participação especial em Conversa ao Pé da Porta, outra 
parceria dos dois.
Ouça Boa Nova com Ivan Lins e 
Viáfora:
Dentre as participações especiais, tão fartas nesse disco, há ainda a do 
Quinteto em Braco e Preto, na faixa Cada Um Com Seu Cada Qual, de 
Viáfora, e em mais duas faixas extras do DVD. Também dão o ar da graça com 
participações preciosas: Rafael Altério, Caê Rolfsen, Nílson Chaves, Pedro 
Altério, Pedro Viáfora e Dani Black. Em A Pessoa, Viáfora não tem 
parcerias nem conta com apoio. Canta solo e diz por que canta:
Não gosto do negro só porque ele é negro
Gosto de Maria do Rosário e 
de Diego
Não gosto do índio só porque ele é índio
Gosto de Potira como 
gosto de Dulcídio
Gosto de Tainá e de Damião
 Não gosto do rico só porque ele é rico
Gosto de Raul, de Januário e 
de Junico
Não gosto do pobre só porque ele é pobre
Gosto do Marreca, do Zé 
do Zóio e do Bob
Sei quem eles são, tudo sangue bão
 Gosto de quem gosta asssim de graça
De quem olha a pele e não enxerga 
a raça
Gosto de quem gostando do outro não se poupa
De quem olha no olho e 
não enxerga a roupa
Webster Santos cuidou das variadas cordas (com exceção do violão de sete, que 
ficou por conta de Carlinhos 7 Cordas), que ponteiam ao longo das 13 faixas do 
CD e das 22 do DVD (três músicas extras). As baixarias elétricas e acústicas são 
de Sizão Machado. Sopros de Vinícius Dorin e Léa Freire. Teclas de Thiago Costa 
(piano e acordeon) e percussão a cargo de Theo da Cuíca, Gabriel Altério e 
Thiago Rabelo (bateria) e Trio Manari. Tó Brandileone e Tati Parra estão no 
coro.
Três décadas na estradaAutor de músicas gravadas por 
Fafá de Belém, Ney Matogrosso, Vânia Bastos, Ivan Lins, Nílson Chaves, Eduardo 
Gudin e Jane Duboc, Viáfora estudou música na Fundação das Artes de São Caetano 
do Sul e fez o curso de arranjo com o maestro Nélson Ayres, no Conservatório do 
Brooklin. No final dos anos 70, botou o pé na estrada e começou a participar de 
festivais e a tocar na noite, em bares e casas noturnas do Rio e São Paulo. 
Depois que sua música Grão da Terra, uma parceria com Amílson Godoy, 
ganhou o prêmio de melhor arranjo no Festival Internacional de Viña del Mar, no 
Chile, dividiu o LP Trocando Figura (1986) com César Brunetti e Jean e 
Paulo Garfunkel. Além de Grão da Terra, o disco trazia, de sua autoria, 
Super Comum, Tantas Viagens e Trocando Figura (c/ César 
Brunetti e Jean e Paulo Garfunkel).
Celso Viáfora canta Amanhã de Depois de 
Amanhã:
 Uma discografia sólidaViáfora tem uma obra consolidada 
em discos que exibem uma coerência temática e de estilos. Em 1991, lançou seu 
primeiro LP solo: Celso Viáfora, pela gravadora Outros Brasis, de Belém 
do Pará, onde se destacaram as músicas Altares, Não Vou Sair e 
Fruta Menina (esta em parceria com Vicente Barreto). Em 1996, gravou o CD 
Paixão Candeeira, com a participação dos músicos Don Chacal e Maurício 
Carrilho. O disco trazia sete parcerias de Viáfora com Vicente Barreto: 
Pastel de Feira, Por Um Fio, Quando Foi, Casa Vazia, Olhando Pixinguinha, O 
Rio Virou Sertão e A Notícia. Depois vieram mais cinco CDs 
(Cara do Brasil, 1999; Basta um Tambor Bater, 2001; 
Palavra!, 2003, Nossas Canções, 2006), incluindo este 
Batuque de Tudo. Em Cara do Brasil, além de exemplares de sua 
abundante parceria com Vicente Barreto (Linda flor, O guri, A Cara do 
Brasil e Linda lua), Viáfora apresenta o choro Di Menor, 
parceria com Guinga. No disco Basta um Tambor Bater, ele conta com a 
participação especial de Ivan Lins e do MPB-4 (Diplomação) e de Beth 
Carvalho (Chora). Os arranjos ficaram a cargo do talento de Rildo Hora 
e Ivan Lins. O disco foi lançado com um show na favela de Paraisópolis, em São 
Paulo. Percussionistas do projeto Barracão dos Sonhos, formado por garotos 
daquela favela, marcam presença na faixa Papai Noel de Camiseta. A 
parceria com Ivan Lins continuou em 2003, no CD Palavra! (Rio 
de Maio, Veneziana e Atlântida). E prosseguiu no 
CD Nossas Canções (2006), com Todomundo, Diplomação, 
Encontro dos rios, Atlântida, Duas e Quinze, Emoldurada, Rio de Maio, A 
Cor do Pôr do Sol, Veneziana e Nada Sem Você.
    Fala, 
Viáfora!
Você está na estrada há mais de três décadas, o que mantém a chama 
acesa?Componho por uma necessidade visceral de dizer as coisas que 
sinto e penso. Tem um trecho do DVD em que falo isso. Sinto que o dia em que não 
tiver mais nada pra divagar talvez eu pare de compor. Por outro lado, o palco é 
o lugar onde me sinto mais feliz na vida. Curo azia, tristeza e melancolia. É 
por isso que mantenho a chama.
Como é ser unanimidade na crítica e não ter a recíproca na execução 
de seus discos?
Eu penso, às vezes, que o grosso do meu trabalho 
nunca vai ser cantado pelas pessoas. Acho que é tudo meio complicado, sinuoso 
pra ser cantado. Meio mal feito, nesse sentido. Mas é que o que me comove é o 
acorde, o detalhe, o caminho torto… E, também, complicada ou não, minha música é 
a única música que eu sei fazer. Se por um lado ela não ajuda no sentido de uma 
grande gravadora investir nela pra tocar no rádio, por outro o carinho e a 
generosidade da crítica me permitem fazer shows pelo Brasil. E isso me faz feliz 
pra caramba.
Hoje em dia, nossos artistas – a menos que estejam fazendo música da 
moda – não contam muito mais com a venda de discos ou a arrecadação de direitos 
de execução em rádio. É possível sobreviver nesse mercado fazendo uma música tão 
própria como a sua?A gente junta um trabalho aqui, outro mais ali e 
segue a vida. Por outro lado, se for contar tudo o que a música me ajuda a 
economizar com psiquiatra, psicólogo e terapeuta, chego à conclusão que ganho 
bem demais. Mas não há como negar que, para aqueles que não fazem shows, o 
puramente compositor, a coisa ficou bem difícil.
Ouça 
A Cara do Brasil com Nei Matogrosso:
As coisas são como são e não há nada a fazer ou você acredita que 
isso pode mudar por algum meio em favor dos independentes?As coisas 
são como são e, ao mesmo tempo, há muito o que fazer para mudar para melhor ou, 
pelo menos, continuar existindo dentro desse quadro. Tudo tem dois focos. A 
mesma internet que, na prática, com a coisa do download, de certa forma, 
implodiu a profissão de compositor; por outro lado serve para romper com a 
exclusão e a escravidão do artista aos meios de comunicação, na imensa maioria, 
completamente comprometidos com a música de mercado.
Como surgiu essa sua parceria tão intensa com Ivan 
Lins?O Guinga tinha falado de mim pra ele – o Ivan é um cara muito 
antenado, interessado no novo, se preocupa em conhecer e divulgar. Um dia nos 
encontramos no SESC Pompéia e saímos pra tomar uma cerveja e conversar. Naquele 
dia ele me disse que tinha vontade de fazer alguma coisa junto comigo. Mais ou 
menos um ano depois, quando fez seu disco de Natal, ele me ligou e perguntou se 
eu tinha algo com essa temática. Fiquei com medo de perder a chance e disse que 
parecia que tinha mas que precisava procurar lá no balaio de canções. Aí fui 
pro violão e fiz o Papai Noel de Camiseta, que ele gravou naquele disco 
e, depois, me contou que foi a música determinante pra se convencer a me 
convidar pra ser parceiro. No carnaval de 2000, ele me ligou e me chamou pra sua 
casa em Teresópolis. Lá, me deu, de cara, umas seis músicas pra eu letrar. 
Saíram nessa fornada o Emoldurada, Nada Sem Você, A Cor do Pôr do Sol 
e mais algumas outras. Desde então não paramos mais de nos ter como amigos. E a 
parceria virou uma ótima extensão dessa nossa amizade.
O Tempo Me Guardou Você, parceria com Ivan 
Lins:
Vou te derrubar: quem é seu melhor intérprete?Nilson 
Chaves. Primeiro porque ele é um dos melhores cantores do Brasil. Segundo 
é porque a pergunta pressupõe, a meu ver, um intérprete que tenha, de certa 
forma, se debruçado sobre a sua obra. E isso eu ainda não mereci de outra 
pessoa, senão do Nilson. Tenho muitos cantores maravilhosos que me deram a 
alegria de gravar maravilhosamente uma ou duas canções minhas, mas isso não 
representa tudo o que a pergunta quer alcançar, ou seja, um intérprete cuja voz 
seja um pouco a tradução da minha música. Ah! Teria também o Ivan. Mas o Ivan 
não conta: é tradutor da minha obra por extensão da sua.
Hoje em dia, nossos artistas – a menos que estejam fazendo música da 
moda – não contam muito mais com a venda de discos ou a arrecadação de direitos 
de execução em rádio. É possível sobreviver nesse mercado fazendo uma música tão 
própria como a sua?A gente junta um trabalho aqui, outro mais ali e 
segue a vida. Por outro lado, se for contar tudo o que a música me ajuda a 
economizar com psiquiatra, psicólogo e terapeuta, chego à conclusão que ganho 
bem demais. Mas não há como negar que, para aqueles que não fazem shows, o 
puramente compositor, a coisa ficou bem difícil.
VEJA.COM 22/09/2010



 
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