No dia 11 de setembro, Carlão do
Peruche, um dos baluartes do samba paulistano, completa mais um ano de vida, elegante
como um mestre-sala, serelepe como quem tomou suco de quiabo e mais ativo
do que nunca. Carlos Alberto Caetano nasceu no dia 11 de setembro de 1930, na rua Pirineus,
76, entre a Santa Cecília, os Campos Elíseos e a Barra Funda, redutos do velho
samba da paulicéia. Mas seu DNA de samba é da Lavapés, a mais antiga escola de
samba paulistana ainda em funcionamento.
Criada na Baixada do Glicério em 1937,
a escola ainda participa do carnaval paulistano, desfilando pelo grupo III. Foi
lá que Carlão tomou verdadeiro gosto pelo negócio, liderou sambistas ainda
adolescente e de onde saiu em 1955, num racha provocado por divergências com a
diretoria, para formar sua própria agremiação, a Escola
de Samba Unidos do Peruche, fundada em 1956 no bairro da Casa Verde.
Criança ainda, ia às festas de romaria em Pirapora do Bom Jesus, nas
franjas da Capital paulista, “às margens do lendário Tietê”, nos dias que
antecediam o 6 de agosto, quando as carolas seguiam para a igreja e os marmanjos
direto para o barracão, onde “a raça sambava a noite inteira”. Ali aguardavam a
chegada do mulherio de rosário nas mãos e todos se integravam em rodas de
batuque que alguns dos frequentadores chamavam de bendenguê (“Tinha mulata
bonita/ Que dançava o bendenguê”), outros de caxambu, batido no tambu e marcado
com os pés no chão de terra nua. Um ritmo com características ora de jongo ora
de congado. A mistura se deve à frequência de romeiros negros de diversas
regiões do interior do estado e até de Minas. Os que vinham do vale do Paraíba
traziam a marca forte do jongo, mais sincopado. Os do oeste paulista e de Minas
traziam o sotaque do caxambu, do samba-lenço e do congado, predominando a
marcação do tambu, mais socada. A roda integrava as diferenças numa só batida,
resultando no que foi chamado também de samba de bumbo ou samba rural
paulista. Carlão acredita que o pai jamais chegou a entrar na igreja. Ele mesmo
só o fez depois de adulto e acompanhado dos próprios filhos. Até então, Pirapora
para ele era uma romaria profana, que começava e acabava na batucada. A festa
foi enredo da Peruche, em 1971, com samba antológico de Geraldo Filme.
Baluarte do Samba Paulistano
A primeira escola pela qual Carlão desfilou foi a Flor do Bosque, do Bosque
da Saúde. Depois, a Lavapés, em seguida o Peruche, que logo no primeiro ano
ganhou o desfile do terceiro grupo (3ª categoria). Passou dois anos no segundo
grupo e em 1959 a agremiação chegou ao grupo principal, onde foi campeã pela
primeira vez em 1961. No concurso realizado nos anos 60 no bairro da Lapa, a
escola foi tricampeã de 1965 a 1967, seguindo-se quatro vice-campeonatos, de
1968 a 1971. De lá para cá a escola não venceu mais o grupo principal e chegou a
ser rebaixada algumas vezes, voltando sempre no ano seguinte, com a conquista do
campeonato ou do vice-campeonato no Grupo de Acesso.
Embaixador Mestre do samba
Carlão é considerado um dos cardeais do samba de
São Paulo, tendo participado do processo de oficialização do carnaval de rua, em
1968, durante a prefeitura de Faria Lima, ao lado de Inocêncio Mulata, da Camisa
Verde e Branco, de Pé Rachado, da Vai-Vai,
de Dona Eunice, da Lavapés, de Xangô, da Unidos de Vila Maria, de Mala, da
Acadêmicos do Tatuapé, de Alberto Alves, o Nenê
de Vila Matilde, de Rômulo, do cordão Fio de Ouro, de Sinval, da Império do
Cambuci, de Zézinho, do Morro da Casa Verde e outros dirigentes de escolas,
blocos e cordões da cidade. Participou da fundação da Associação das Escolas de
Samba, no final dos anos 60, e de sua sucessora, a União das Escolas de Samba
Paulistanas, em 1973. Nos anos 80, Carlão se afastou das obrigações burocráticas
e passou a cumprir funções protocolares da agremiação. Foi eleito Cidadão Samba,
em 2000, foi condecorado Embaixador Mestre do Samba de São Paulo e eleito
presidente do Conselho Diretor da Associação Independente Cultural da Velha
Guarda do Samba do Estado de São Paulo. Hoje, comanda a Velha Guarda da escola,
uma criação sua para abrigar os sambistas da antiga que ainda querem desfilar no
sambódromo.
Unidos do Peruche, orgulho de Carlos Alberto Caetano: cores da bandeira do Brasil
Carlos Alberto Caetano foi um dos mais destacados
cartolas do samba paulistano, mas começou como ritmista, ensinou muita gente a
bater no couro. É grande partideiro, com talento para improvisar versos
pitorescos (“Que enterro vagaroso/Foi um caso muito sério/ O defunto se invocou/
E foi a pé pro cemitério”) e compor refrões inusitados, como este, na linha do
ão: “Não, não, não, não/ No rabo do macaco ninguém põe a mão/ Não (não
não), não (não não), não/ No rabo do macaco ninguém põe a mão”. É dele boa parte
dos sambas de quadra e de exaltação à escola (“Quem é você para falar mal do
Peruche/ Escola da paz e do amor/ Escola que Jesus abençoou/ Eu vou lhe pedir o
favor/ De tratar o meu Peruche com amor”). Carlão é também um salgueirense
honorário. Nos anos 70 tirou férias forçadas em Sampa e desfilou pela escola
carioca, na qual pelas mãos do sambista Jorge Cardoso fez amigos entre o povo da
antiga. É de sua autoria um dos melhores – e pouco conhecidos – sambas em
homenagem à escola da Tijuca (“Não repare nessa melodia/ A ti oferecida/ Salgueiro
és minha escola querida”). Alto, esguio, aparentando muito menos anos de
vida do que os 84 que completa agora, é generoso com os mais novos e os recém
chegados. Homem de vida regrada, Carlão nunca se envolveu com vícios, não bebe
mais que um copo de cerveja para fazer companhia a algum amigo. Razão pela qual
mantém uma forma física privilegiada nessa altura da vida.
VEJA.COM 02/09/2010
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