Nelson Sargento é do tempo da zagaia. Do tempo em que se amarrava cahorro com
linguiça. Mas ele está na moda. Mais atual que nunca. Dono de uma memória
invejável, ele relembra histórias esquecidas e sambas perdidos. Chegou a
resgatar alguns de Cartola. Fonte permanente de consultas para a elaboração de
reportagens, livros ou filmes, Sargento é a memória viva do samba carioca e do
morro da Mangueira. Disponível a quantos o procuram, ele é o rei da simpatia.
Otimista, feliz, nunca nega um sorriso a quem dele se aproxima (mesmo quando
andava desfalcado do teclado, abria aquele sorriso, de escassos dentes, de quem
está de bem com a vida). Nelson (Mattos) Sargento, nasceu na Praça XV, no centro
do Rio de Janeiro, no dia 25 de julho de 1924, e ganhou o apelido quando
serviu o Exército, nos anos 40. Aos 8 anos de idade já desfilava tocando
tamborim na Escola de Samba Azul e Branco do morro do Salgueiro, onde morava.
Quando sua mãe, viúva, juntou-se ao marinheiro mercante Alfredo Lourenço, o
Alfredo Português, ele foi morar no aglomerado de Santo Antonio, no morro
da Mangueira. Tinha 12 anos de idade. Cresceu vendo os ensaios do samba e
ouvindo as composições de Cartola e Nelson Cavaquinho, que lhe ensinaram a tocar
o violão. Logo virou parceiro do padrasto, que era letrista respeitado no morro
e passou a escrever suas poesias para o rapaz musicar. Em 1947, quando Nelson
estava com 23 anos, Alfredo passou a integrar a ala de compositores da Mangueira
e o enteado foi junto. Da parceria com Alfredo saíram Vale do São
Francisco, samba-enredo de 1948, Samba do operário (com
participação de Cartola) e Freira mais querida (isso mesmo, uma
homenagem a alguma freira, com a parceria de Nelson Cavaquinho). A dupla
venceria o concurso de samba enredo da escola em 1949 (Apologia ao
Mestre) e 1950 (Plano Salte – Saúde, Lavoura, Transporte e
Educação), garantindo o título de bi-campeã para a verde e rosa no
Carnaval. A escola foi vice-campeã em 1955 com Cântico à natureza
(enredo: “As quatro estações do ano”), uma parceria da dupla com Jamelão, cujo
refrão marcante dizia:
Oh! Primavera adorada
Inspiradora de amores
Oh! Primavera
idolatrada
Sublime estação das flores
Ouça Cântico à natureza, com Nelson
Sargento:
O samba é considerado até hoje o melhor da escola em todos os tempos. Com o
impulso de seu sucesso no Carnaval, Sargento passou a fazer parcerias com outros
grandes nomes da nossa música. Além de Alfredo Português, Cartola, Jamelão e
Nelson Cavaquinho, ele fez sambas com Guilherme de Brito, Ivone Lara, Nei Lopes,
Jair do Cavaquinho, Darcy da Mangueira e João de Aquino. Gravado por Chico
Buarque e Beth Carvalho, entre outros, seu samba Agoniza mas não morre
virou um clássico do gênero. Falso amor sincero revela o lado satírico
do autor:
O nosso amor é tão bonito
Ela finge que me ama
E eu finjo que
acredito
Dorina e Walter Alfaiate contam Falso amor
sincero:
Esse tipo de humor é presente ao longo da obra do compositor, que é capaz de
cantar versos do mais puro nonsense, como esses, que fez com Andinho
Golçalves:
Fui fazer o meu samba
Na mesa de um botequim
Depois de umas e
outras
O samba ficou assim
Estrambonático, palipopético
Cilalenítico,
estapafúrdico
Protopológico, antropofágico
Presolopépipo,
atroverático
Batunitétrico, pratofinandolo
Calotolético,
caranbolambolu
Posolométrico, pratofilônica
Protopolágico,
canecalônica
É isso aí, é isso aí
Ninguém entendeu nada
Eu também não
entendi
Os anos 60 foram encontrar Sargento tocando no grupo que animava o lendário
Zicartola, o restaurante de Dona Zica e Cartola, que virou ponto de encontro de
sambistas e intelectuais, na rua da Carioca, 53, centro do Rio. Mas a carreira
profissional de Nelson Sargento deslanchou quando participou do show Rosas de
Ouro, dirigido por Hermínio Bello de Carvalho, em 1965, com a participação de
Elton Medeiros, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do
Salgueiro, Clementina de Jesus e Aracy Cortes. Do show saíram dois LPs, já
lançados em CD. Integrou, depois, o grupo Voz do Morro – do qual participavam
Paulinho da Viola, Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, José da Cruz e
Anescarzinho do Salgueiro - que gravou três LPs, dois em 1965 e um em 1966,
todos já lançados em CD. Sargento participou dos dois últimos. Fez parte ainda
de Os Cinco Crioulos, composto por alguns sambistas do Rosa de Ouro e do Voz do
Morro, aos quais se juntou o compositor Mauro Duarte. Entre 1967 e 1969 o novo
grupo gravou três álbuns. Deste grupo faziam parte, além de Mauro Duarte e
Nelson Sargento, Anescarzinho, Elton Medeiros e Jair do Cavaquinho. Em 1979, o
selo Eldorado gravou o primeiro disco solo de Sargento, Sonho de um
sambista. Seguiram-se mais oito discos de carreira e várias coletâneas
(veja a discografia abaixo). Depois de velho, ele, que na juventude foi pintor
de paredes, começou uma nova carreira, a de pintor de quadros, com relativo
sucesso. Afinal, independentemente do valor artístico, quem não gostaria de ter
uma tela do Sargento? Mas o sambista não faz feio com os pincéis. Porém, é o
compositor quem se destaca. O reconhecimento ao seu valor veio na forma de
diversas homenagens. Moacyr Luz e Aldir Blanc compuseram Flores em
vida, no qual os versos exaltam:
Sargento apenas no apelido
Guerreiro negro dos Palmares
Nelson é o
Mestre-Sala dos mares
Singrando as águas da Baía
A música deu nome ao disco de 2002, indicado para o prêmio Grammy de melhor
álbum de samba. O cineasta Estêvão Pantoja dirigiu o documentário Nelson
Sargento da Mangueira (1997), premiado no VIII Festival de Curtas-Metragens
de São Paulo e ganhador de um kikito, no Festival de Cinema de Gramado. No Rio
Cine de 1997, o filme ganhou outros prêmios: Melhor Montagem, Prêmio Especial da
Crítica e Prêmio Especial do Júri. No documentário, ele relembra os 40 anos que
viveu na colina, os sambas que compôs para a escola cantar e suas poesias
exaltando o lugar, como O encanto da paisagem, que dá título ao seu
segundo disco solo:
Morro, és o encanto da paisagem
Suntuoso personagem de rudimentar
beleza
Morro, progresso lento e primário
És imponente no
cenário
Inspiração na natureza
Nelson também escreve. Ele é autor dos livros Prisioneiro do Mundo
(poemas, 1994), O samba e eu (contos, 2003) e Pensamentos
(ensaios, 2008). É ainda co-autor de uma biografia de Geraldo Pereira (Um
certo Geraldo Pereira, Funarte, 1983).
Nelson canta com Teresa Cristina Agoniza mas
não morre:
DISCOGRAFIA
Só Cartola – Elton Medeiros, Nelson Sargento
e Galo
Preto – (1998) – CD
Inéditas de
Cartola – (1999 ) – CD
Velhas companheiras - (2000)
Com Monarco e Guilherme de Brito – CD
Flores em vida – (2002)
selo Rádio MEC
- CD
PARTICIPAÇÕES, COLETÂNEAS
e
CONJUTOS
Elizeth sobe
o morro – (1965) – LP
Rosa de ouro 1 –
vários artistas – (1965) – LP
Voz do morro – Roda
de samba 2
vários – (1965) – LP
Voz do morro – Os
sambistas – vários
(1966) – LP
Velha Guarda
da Mangueira
LP – sem data
História das Escolas
de Samba
Mangueira – vários – (1974) –
LP
Geraldo Pereira – Evocação
(1980) – LP
Simply Brazil -
vários – (2006) – CD
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