Primeira dama
Ivone Lara comemora cinquenta anos de samba
Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Na semana passada, a festa para escolha do samba-enredo da escola Império Serrano degenerou em violenta pancadaria porque o resultado do concurso não agradou a uma facção da escola. “No meu tempo não tinha disso”, lamentou a madrinha da ala dos compositores da agremiação, Ivone Lara, que tem autoridade para falar. Aos 75 anos, ela não aparenta a idade que tem. Está firme e rija, com sua voz característica de pastora. Um jeito de cantar que ficou perdido nos carnavais do passado, quando o samba era levado na garganta em meio à batucada. Para quem ainda não a conhece, saiu um CD que é a grande oportunidade de ouvi-la em grande forma. Quem já está acostumado com seu balanço sereno pode conferir o melhor de seu repertório, compartilhado com a humildade de quem reina acima das picuinhas do mercado. Bodas de Ouro, que comemora seus cinqüenta anos de carreira, é um momento de generosidade do samba carioca.
Autora de sucessos gravados por intérpretes que vão de Martinho da Vila ao grupo Nouvelle Cuisine, Ivone Lara da Costa é uma assistente social aposentada de sorriso fácil e personalidade cativante, cuja vida sempre foi cercada de música. O pai tocava violão e desfilava no Bloco dos Africanos. A mãe era pastora do Rancho Flor do Abacate. Órfã aos 6 anos, viveu oito no internato onde estudou música com a mulher de Heitor Villa-Lobos. Chegou a cantar sob a regência do maestro, na Rádio Tupi, quando participava do Orfeão dos Apiacás. Quando saiu do colégio, foi morar no subúrbio de Inhaúma, com um tio chorão com quem aprendeu a tocar cavaquinho. Em 1945, mudou-se para Madureira, onde fez o samba-enredo para a escola Prazer da Serrinha e se impôs nos terreiros de partido-alto. Ali conheceu Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, seus futuros parceiros, e venceu o concurso para o samba-enredo de 1965 com Os Cinco Bailes da História do Rio.
Em Bodas de Ouro Ivone reúne vozes de várias gerações para partir o bolo na forma de boas parcerias. Samba de Roda pra Salvador tem uma discreta participação de Gilberto Gil, numa homenagem à Bahia, que segue com Danilo Caymmi (Oração da Mãe Menininha) e a banda Ara Ketu (Alguém Me Avisou). Na ala carioca, estão os pagodeiros Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e Almir Guineto, além de Beth Carvalho, que em Força da Imaginação imprime graça ao belo partido-alto que canta a esperança. A juventude está presente na voz do reggae de Toni Garrido, do Cidade Negra. A diversidade e o peso dos parceiros que dividem com Ivone Lara as faixas de Bodas de Ouro dão a dimensão alcançada por essa pastora, que assume de vez o posto de primeira-dama de toda a república do samba.
VEJA, 19/11/1997.
VEJA, 19/11/1997.
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