segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

ELTON MEDEIROS 2

Rei da caixinha

Elton Medeiros faz um disco primoroso


Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Desde os 8 anos de idade, quando fez sua primeira música — um samba para o bloco de garotos da rua onde morava, no subúrbio carioca de Brás de Pina —, Elton Medeiros não parou de compor. Mas só agora, aos 65 anos, com mais de 100 músicas gravadas, ele está lançando seu terceiro álbum solo, o CD Mais Feliz, que reúne sambas antigos e músicas inéditas, entre elas um frevo, uma valsa e dois temas instrumentais. Elton é dessas reservas de talento cada vez mais raras na MPB. Seu samba O Sol Nascerá, em parceria com Cartola, já mereceu mais de sessenta gravações e Pressentimento, terceiro colocado na Bienal do Samba, em 1968, já foi gravado por mais de trinta cantores diferentes. No CD Mais Feliz, ele homenageia algumas de suas parcerias mais férteis. Com o amigo Paulinho da Viola, com quem compôs sambas primorosos como Sentimento Perdido, regrava o otimista Recomeçar e apresenta Última Cena, com a participação de Paulinho no vocal. De Hermínio Bello de Carvalho, seu parceiro em Pressentimento, regravou Folhas no Ar. Na faixa A Mesma Estória, um solo de sax de Dirceu Leite valoriza um samba que não é dos mais brilhantes de sua parceria com o grande Cartola.
TOM INTIMISTA — Além do conjunto Galo Preto, que o acompanha nos shows, os amigos músicos de Elton fizeram fila para participar do disco e são responsáveis pelo virtuosismo exibido em Improviso Brasileiro. Elton não é um compositor de escola de samba, embora tenha ajudado a fundar algumas e seja um dos padrinhos da Ala dos Compositores da Portela. Essa é apenas sua origem, da qual se orgulha. Sua veia artística é claramente contaminada pelos regionais, nos quais a valorização dos arranjos e dos músicos é notável. Ele próprio apenas arranha um cavaquinho. Tocou trombone e bateria em gafieira, sax e bombardino na banda do colégio e numa orquestra jovem, mas fez uma opção preferencial pela caixa de fósforos. Em 1954, seu samba Exaltação a São Paulo, vencedor na escola Aprendizes de Lucas, foi apresentado na Rádio Nacional com um inusitado arranjo para violino e dez caixas de fósforos feito pelo maestro Radamés Gnattali, empolgado com o ritmo que Elton arrancava de seus palitos.
Elton não é tampouco um cantor. Mas está “cantando direito”, como ele diz, e vai fundo num dueto com o temperamental Sérgio Ricardo, autor da melodia de Por Aí Afora, um samba-canção delicado em que o lado poeta de Elton se exercita em versos singelos como: Por aí afora/ Um recado mal dado/ Um tropeço nas ondas perdidas do amor.
O lirismo e as incursões em outros gêneros e nos temas instrumentais apresentados no álbum não ofuscam a vocação de Elton para o samba. O frevo Virando Pó pode ser uma novidade em seu currículo, mas não entusiasma, contagiado pelo tom intimista de Mais Feliz, um CD em que os arranjos não estimulam a dança e imprimem até aos sambas mais tradicionais uma sofisticação inusitada. É uma peça indispensável em qualquer discoteca de música popular brasileira que se preze.

VEJA, 06/03/1996. 

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