quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

ROSA MAGALHÃES

O gênio da avenida 


    Rosa: quase cinco décadas de paetês (Foto: jornal Extra)

Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Depois de colecionar títulos pela Imperatriz Leopoldinense, Rosa Magalhães, a carnavalesca número 1 do Carnaval carioca, com quase cinco décadas de serviços prestados ao samba e ganhadora de um prêmio Emmy, foi para a Vila Isabel, em 2011. Com uma passagem relâmpago pela Ilha do Governador, no Carnaval 2010, onde cumpriu o objetivo de manter a escola no grupo principal, ela aceitou em março o convite de Martinho da Vila e da direção da azul e branco para assumir o barracão da escola.  No dia 1º de outubro de 2010, aconteceu no Espaço Cultural Finep, no Rio de Janeiro, o seminário O erudito encontra o povo, para discutir a revolução estética que o Salgueiro de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues capitaneou nas décadas de 60 e 70. O evento abriu o Projeto Escola de Inovação 2010. O Salgueiro foi a primeira escola a incorporar à sua equipe de montagem de Carnaval artistas ligados à Escola de Belas Artes, que levaram para as agremiações uma concepção mais erudita da montagem carnavalesca, com a utilização de novos materiais e novas técnicas de confecção de fantasias e alegorias. O resultado se viu em enredos marcantes da escola da Tijuca, como Quilombo dos Palmares (1960), Xica da Silva (1963) e Festa para um Rei Negro (1971), que lhe valeram títulos e a definiram como “uma escola diferente”. Entre os debatedores convidados (os carnavalescos Renato Lage, hoje no Salgueiro, Max Lopes, da Imperatriz, e a veterana Maria Augusta, que participou da equipe salgueirense nos anos 60), estava Rosa. Ela  aprendeu com os mestres e contribuiu para o processo carnavalesco com suas próprias inovações.

       A logomarca do Carnaval 2011 da Vila Isabel: cabelo

Seguindo à risca a máxima de que a excelência está nos detalhes, Rosa Lúcia Benedetti Magalhães - artista plástica, figurinista e coreógrafa - tornou-se uma carnavalesca meticulosa, que cuida dos mínimos aspectos do acabamento de alegorias e fantasias. Seus carnavais são precisos como um ato cirúrgico, o que lhe valeu a crítica de fazer um desfile “muito técnico”, uma desculpa esfarrapada de quem não consegue acompanhar seu alto padrão de qualidade. Ela na se incomoda: “Isso é falta de assunto”, diz. Filha do acadêmico Raimundo Magalhães Júnior e da autora teatral Lúcia Benedetti, que a criaram num ambiente de cultura e liberdade, Rosa estudou no colégio Sacré-Coeur de Marie, em Copacabana, estudou música, inglês, francês e italiano, formou-se em pintura pela Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro, e em cenografia pela Escola de Teatro da Uni-Rio. Foi professora de Cenografia e Indumentária da UFRJ e da Faculdade de Arquitetura Bennett. Além da parte plástica do Carnaval, ela se empenha em fazer bons roteiros. Para tanto, estudou com Doc Comparato, autor de telenovelas e seriados de TV. Ela estreou no carnaval, em 1970, no barracão do Salgueiro, ao lado de alguns dos maiores artistas do Carnaval. Compunham a equipe da escola naquele ano, os já citados Fernando Pamplona, Maria Augusta e Arlindo Rodrigues, além do então novato Joãozinho Trinta (o enredo era Festa Para Um Rei Negro, com o qual a escola foi campeã em 1971). Além do Salgueiro, Ilha e Imperatriz, Rosa trabalhou na Beija-Flor, na Portela e no Estácio. Comandando o barracão, foi campeã pelo Império Serrano em 1982 (Bumbum Praticumbum Prugurundum) e pentacampeã pela Imperatriz (Catarina de Medicis na Corte dos Tupinambôs e Tabajeres,1994; Mais Vale um Jegue que Me Carregue que Um Camelo que Me Derrube, lá no Ceará, 1995; Brasil Mostra a Sua Cara em… Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae, 1999; Quem Descobriu o Brasil foi Seu Cabral, no Dia 22 de Abril, Dois Meses Depois do Carnaval, 2000; e Cana-caiana, Cana roxa, Cana fita, Cana preta, Amarela, Pernambuco… Quero Vê Descê o Suco, na Pancada do Ganzá, 2001). Essa experiência a levou a publicar um livro com a receita de uma boa montagem carnavalesca: Fazendo Carnaval, (Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1997).

    2007: “Vocês querem Bacalhau?” 

Em 2007, mostrou que sua ousadia não tem limites ao levar para a passarela Terezinhaaa, Uhuhuuu! Vocês Querem Bacalhau?, um enredo que falou do famoso pescado e homenageou o Velho Guerreiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha. No mesmo ano, Rosa ganhou o  prêmio Emmy, o Oscar da TV americana, na categoria Figurino e Design de Estilo, por seu trabalho na cerimônia de abertura do Pan-Americanos do Rio, no qual foi responsável pela criação e supervisão de montagem da pira, concepção e confecção das alegorias e adereços e dos figurinos da festa, além da criação e supervisão de figurinos para a festa de encerramento dos jogos. Com a premiação, passou a ser membro efetivo da Academy of Television Arts and Sciences, dos Estados Unidos. Ela concorreu também na categoria Direção de Arte, Cenografia e Design Cênico. O Emmy foi um dos sete prêmios internacionais que Rosa ganhou pelo trabalho no Pan. Não há o que estranhar. Embora seja mais conhecida como fazedora de sonhos carnavalescos, Rosa tem experiência ampla na área do espetáculo.

   Rosa Magalhães exibe o troféu do prêmio Emmy

Em 1998, ela criou cenários e figurinos, além da produção, da peça O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti, sua mãe, no Teatro Laura Alvim, no Rio. Em 2003, ela foi responsável pelos cenários e figurinos do ballet O Grande Circo Místico, na Fundação Teatro Guaíra , em Curitiba.  Em 2001, foi responsável pela criação e supervisão de montagem da exposição Brasil 500 anos, no Museu do Convento das Mercês, em São Luís, no Maranhão. Fez ainda cenários e figurinos para o ballet Paradox, na Fundação Teatro Castro Alves, em Salvador, no ano 2000. Autora de figurinos e cenários para espetáculos teatrais, exposições e eventos como o Pan, Rosa sabe que os jurados de carnaval se sofisticaram e não se deixam levar apenas pelo efeito global do desfile, em que fantasias e alegorias são vistos como um conjunto plástico. Está ciente de que as escolas se nivelaram na tela da TV e que a diferença está nos detalhes. Ela faz fantasias que podem ser checadas com lentes de aumento, pois cada detalhe é cuidado como se fosse o abre-alas da escola. Uma única fantasia recebe apliques que envolvem quase uma dezena de padronagens diferentes, o que lhe valeu a pecha de fazer um Carnaval muito rococó. Ela não reclama. Deixa que falem. “Não sou perfeccionista, sou normal”, diz. Mentira. Rosa acredita que seu trabalho é resultado de 1% de inspiração e 99% de suor. Chavão. O mais correto seria dizer que ela dá 100% de seu talento ao qual soma 100% de seu suor. Se a superstição entra na conta, não se pode afirmar, mas o destino lhe tem sido padrinho. Sobrevivente de um incêndio num vôo Rio-Paris, ela brincou com a sorte desde cedo. Começou a dirigir aos 14 anos, pelas mãos do pai, e a fumar com a mesma idade, pelas mãos da mãe, de quem herdou uma coleção de santos para os quais reza, segundo confessou em entrevista. Só não se arriscou num terreno mais pantanoso: nunca se casou.  Ela estava, então, motivada e com muita expectativa em relação ao Carnaval que se aproximava: “As expectativas para o próximo carnaval são as melhores possíveis. Estou muito orgulhosa! Será o maior prazer trabalhar na Vila e darei meu sangue pela escola”, disse Rosa, ao se referir à empreitada de 2011 na Vila Isabel, onde montou divinamente o enredo “Mitos e Histórias Entrelaçadas Pelos Fios de Cabelo”, que tratava do tema desde a antiguidade até o Carnaval de Lamartine e das marchinhas. Mais uma vez a professora, carnavalesca, cenógrafa, figurinista, artista plástica e estilista Rosa Magalhães teve a oportunidade de realizar o que aprendeu nos anos 70 e que colocou em prática nas últimas três décadas de Carnaval.


VEJA.COM 04/01/2011

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