O gênio da avenida
Depois de colecionar títulos pela Imperatriz
Leopoldinense, Rosa Magalhães, a carnavalesca número 1 do Carnaval carioca,
com quase cinco décadas de serviços prestados ao samba e ganhadora de um prêmio Emmy, foi para a Vila Isabel, em 2011. Com uma passagem relâmpago pela Ilha do Governador,
no Carnaval 2010, onde cumpriu o objetivo de manter a escola no grupo principal,
ela aceitou em março o convite de Martinho
da Vila e da direção da azul e branco para assumir o barracão da escola. No
dia 1º de outubro de 2010, aconteceu no Espaço Cultural Finep, no Rio de
Janeiro, o seminário O erudito encontra o povo, para discutir a
revolução estética que o Salgueiro de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues
capitaneou nas décadas de 60 e 70. O evento abriu o Projeto Escola de
Inovação 2010. O Salgueiro foi a primeira escola a incorporar à sua equipe
de montagem de Carnaval artistas ligados à Escola de Belas Artes, que levaram
para as agremiações uma concepção mais erudita da montagem carnavalesca, com a
utilização de novos materiais e novas técnicas de confecção de fantasias e
alegorias. O resultado se viu em enredos marcantes da escola da Tijuca, como
Quilombo dos Palmares (1960), Xica da Silva (1963) e Festa
para um Rei Negro (1971), que lhe valeram títulos e a definiram como “uma
escola diferente”. Entre os debatedores convidados (os carnavalescos Renato
Lage, hoje no Salgueiro, Max Lopes, da Imperatriz, e a veterana Maria Augusta,
que participou da equipe salgueirense nos anos 60), estava Rosa. Ela aprendeu
com os mestres e contribuiu para o processo carnavalesco com suas próprias
inovações.
Seguindo à risca a máxima de que a excelência está
nos detalhes, Rosa Lúcia Benedetti Magalhães - artista plástica, figurinista e
coreógrafa - tornou-se uma carnavalesca meticulosa, que cuida dos mínimos
aspectos do acabamento de alegorias e fantasias. Seus carnavais são precisos
como um ato cirúrgico, o que lhe valeu a crítica de fazer um desfile “muito
técnico”, uma desculpa esfarrapada de quem não consegue acompanhar seu alto
padrão de qualidade. Ela na se incomoda: “Isso é falta de assunto”, diz. Filha
do acadêmico Raimundo Magalhães Júnior e da autora teatral Lúcia Benedetti, que
a criaram num ambiente de cultura e liberdade, Rosa estudou no colégio
Sacré-Coeur de Marie, em Copacabana, estudou música, inglês, francês e italiano,
formou-se em pintura pela Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro, e
em cenografia pela Escola de Teatro da Uni-Rio. Foi professora de Cenografia e
Indumentária da UFRJ e da Faculdade de Arquitetura Bennett. Além da parte
plástica do Carnaval, ela se empenha em fazer bons roteiros. Para tanto, estudou
com Doc Comparato, autor de telenovelas e seriados de TV. Ela estreou no
carnaval, em 1970, no barracão do Salgueiro,
ao lado de alguns dos maiores artistas do Carnaval. Compunham a equipe da escola
naquele ano, os já citados Fernando Pamplona, Maria Augusta e Arlindo Rodrigues,
além do então novato Joãozinho Trinta (o enredo era Festa Para Um Rei
Negro, com o qual a escola foi campeã em 1971). Além do Salgueiro, Ilha e
Imperatriz, Rosa trabalhou na Beija-Flor,
na Portela
e no Estácio.
Comandando o barracão, foi campeã pelo Império Serrano em 1982 (Bumbum
Praticumbum Prugurundum) e pentacampeã pela Imperatriz (Catarina de
Medicis na Corte dos Tupinambôs e Tabajeres,1994; Mais Vale um Jegue
que Me Carregue que Um Camelo que Me Derrube, lá no Ceará,
1995; Brasil Mostra a Sua Cara em… Theatrum Rerum
Naturalium Brasiliae, 1999; Quem Descobriu o Brasil foi Seu
Cabral, no Dia 22 de Abril, Dois Meses Depois do
Carnaval, 2000; e Cana-caiana, Cana roxa,
Cana fita, Cana preta, Amarela, Pernambuco… Quero Vê Descê o Suco, na Pancada do
Ganzá, 2001). Essa experiência a levou a publicar um livro com a
receita de uma boa montagem carnavalesca: Fazendo Carnaval, (Editora
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1997).
Em 2007, mostrou que sua ousadia não tem limites ao levar para a passarela
Terezinhaaa, Uhuhuuu! Vocês Querem Bacalhau?, um enredo que falou do
famoso pescado e homenageou o Velho Guerreiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha. No
mesmo ano, Rosa ganhou o prêmio Emmy, o Oscar da TV americana, na categoria
Figurino e Design de Estilo, por seu trabalho na cerimônia de abertura do
Pan-Americanos do Rio, no qual foi responsável pela criação e supervisão de
montagem da pira, concepção e confecção das alegorias e adereços e dos
figurinos da festa, além da criação e supervisão de figurinos para a festa de
encerramento dos jogos. Com a premiação, passou a ser membro efetivo da Academy
of Television Arts and Sciences, dos Estados Unidos. Ela concorreu também na
categoria Direção de Arte, Cenografia e Design Cênico. O Emmy foi um dos sete
prêmios internacionais que Rosa ganhou pelo trabalho no Pan. Não há o que
estranhar. Embora seja mais conhecida como fazedora de sonhos carnavalescos,
Rosa tem experiência ampla na área do espetáculo.
Em 1998, ela criou cenários e figurinos, além da
produção, da peça O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti, sua mãe, no
Teatro Laura Alvim, no Rio. Em 2003, ela foi responsável pelos cenários e
figurinos do ballet O Grande Circo Místico, na Fundação Teatro Guaíra ,
em Curitiba. Em 2001, foi responsável pela criação e supervisão de montagem da
exposição Brasil 500 anos, no Museu do Convento das Mercês, em São Luís,
no Maranhão. Fez ainda cenários e figurinos para o ballet Paradox, na Fundação
Teatro Castro Alves, em Salvador, no ano 2000. Autora de figurinos e cenários
para espetáculos teatrais, exposições e eventos como o Pan, Rosa sabe que os
jurados de carnaval se sofisticaram e não se deixam levar apenas pelo efeito
global do desfile, em que fantasias e alegorias são vistos como um conjunto
plástico. Está ciente de que as escolas se nivelaram na tela da TV e que a
diferença está nos detalhes. Ela faz fantasias que podem ser checadas com lentes
de aumento, pois cada detalhe é cuidado como se fosse o abre-alas da escola. Uma
única fantasia recebe apliques que envolvem quase uma dezena de padronagens
diferentes, o que lhe valeu a pecha de fazer um Carnaval muito rococó. Ela não
reclama. Deixa que falem. “Não sou perfeccionista, sou normal”, diz. Mentira.
Rosa acredita que seu trabalho é resultado de 1% de inspiração e 99% de suor.
Chavão. O mais correto seria dizer que ela dá 100% de seu talento ao qual soma
100% de seu suor. Se a superstição entra na conta, não se pode afirmar, mas o
destino lhe tem sido padrinho. Sobrevivente de um incêndio num vôo Rio-Paris,
ela brincou com a sorte desde cedo. Começou a dirigir aos 14 anos, pelas mãos do
pai, e a fumar com a mesma idade, pelas mãos da mãe, de quem herdou uma coleção
de santos para os quais reza, segundo confessou em entrevista. Só não se
arriscou num terreno mais pantanoso: nunca se casou. Ela estava, então, motivada e com
muita expectativa em relação ao Carnaval que se aproximava: “As expectativas para
o próximo carnaval são as melhores possíveis. Estou muito orgulhosa! Será o
maior prazer trabalhar na Vila e darei meu sangue pela escola”, disse Rosa, ao se
referir à empreitada de 2011 na Vila Isabel, onde montou divinamente o enredo “Mitos e
Histórias Entrelaçadas Pelos Fios de Cabelo”, que tratava do tema desde a
antiguidade até o Carnaval de Lamartine
e das marchinhas. Mais uma vez a professora, carnavalesca, cenógrafa,
figurinista, artista plástica e estilista Rosa Magalhães teve a oportunidade de
realizar o que aprendeu nos anos 70 e que colocou em prática nas últimas três
décadas de Carnaval.
VEJA.COM 04/01/2011
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