O pai de santo e os maestros
Em 1945, morreu no Rio de Janeiro, aos 55 anos, José Gomes da Costa, o Zé Espinguela, que
juntamente com Cartola e Carlos Cachaça fundou o Bloco dos Arengueiros, semente
da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Jornalista, compositor,
cantor, escritor, pai de santo e folião, Espinguela promoveu o primeiro concurso
de escolas de samba, em 20 de janeiro de 1929, no Engenho de Dentro, bairro do
subúrbio carioca onde morava e mantinha seu terreiro de macumba. Paulo Benjamim
de Oliveira, o Paulo da Portela, comandou a vitória do conjunto de Osvaldo Cruz.
Participaram grupos da Mangueira e da Deixa Falar, a primeira escola de samba a
ser criada, no bairro do Estácio. Não se tratava ainda de um cortejo
carnavalesco. No concurso, realizado no quintal da casa de Espinguela, na atual
rua Adolfo Bergamini, cada grupo apresentava dois sambas puxados pelos autores,
com auxílio de um coral de pastoras, e o júri decidia qual era o melhor
conjunto.
Stokowski com Villa-Lobos: a serviço do Departamento de
Estado
Espinguela conheceu o maestro Villa-Lobos, a quem apresentou as nuanças dos
folguedos populares do Rio de então, com seus rituais africanos e rodas de jongo
e samba. Em troca, Villa-Lobos o indicou a Leopoldo Stokowski (1882-1977), que
em 1940 buscava músicos populares brasileiros para fazer uma gravação destinada
ao Congresso Pan-Americano de Folclore. “Stokowski viajava sob o patrocínio do
Departamento de Estado americano, que desenvolvia na América do Sul a Política
da Boa Vizinhança, criada pelo presidente Franklin Delano Roosevelt”, conta o
jornalista e crítico musical Ary Vasconcelos. O resultado do trabalho do maestro
inglês foi um disco que só saiu no Brasil em 1987, 47 anos depois das gravações,
produzido pelo Museu Villa-Lobos. Gravado a bordo do navio Uruguai, sob a
supervisão de Stokowski e organização de Villa-Lobos, como informou o jornalista
Aramis Millarch na época de seu lançamento, o disco reuniu autores como
Pixinguinha, Cartola, Donga e João da Baiana.
Ainda sob inspiração de Villa Lobos, Espinguela criou em 1940 o nostálgico
Sodade do Cordão, grupo carnavalesco que tentava reviver os “bons tempos da
folia”. Espinguela viveria pouco. Em 1944, pressentindo que o fim se aproximava,
convocou seus fiéis do terreiro do Engenho de Dentro e foi à Mangueira
despedir-se dos amigos e das namoradas, que sempre manteve, longe do olhar da
patroa ciumenta. O morro foi acordado de madrugada pelo canto do cortejo em
homenagem ao morto que, ainda vivo, puxava o coro com ajuda das pastoras. “Ele
acordou o morro todo anunciando que iria falecer. Fez uma música só para isso. E
morreu dois dias depois”, diz Raymundo de Castro, velho mangueirense. Eis a
letra cantada pela turma do Espinguela:
Bem que eu quero esperarMas existe um porém
Sinto a minha
memória cansada
Essa simples melodia
Serve de último adeus
Adeus,
escola de samba
Adeus, MangueiraAdeus.
Villa-lobos no ensaio do Sodade do Cordão (1940)
Por ocasião do Dia Nacional do Samba, em 2008, o repórter Marcos Uchôa, da TV
Globo, fez uma reportagem para o Jornal Nacional que reproduz o evento em que
Espinguela e seu grupo se despedem da Mangueira. No final da reportagem, Heitor
dos Prazeres Filho canta o samba despedida:
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