segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

PATICUMBUM

O samba-enredo numa grande seleção


Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Samba-enredo é sempre igual? Para quem não dá muita atenção ao assunto, é o que parece. Uma boa oportunidade para provar o contrário é a coletânea , que a Top Tape acaba de lançar. Selo que inaugurou o negócio milionário do disco das escolas, vendendo todo ano por volta de 1 milhão de cópias, a Top Tape fez um CD duplo com 24 músicas do tempo em que detinha o direito de gravação dos sambas-enredo — de 1973 a 1984. Trata-se de uma prova vigorosa de que o gênero é rico em estilos, muda muito e rapidamente, numa evolução que não é necessariamente para melhor.
Não se encontram no disco obras exemplares, como Heróis da Liberdade, que imortalizou Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, ou Chica da Silva, de Noel Rosa de Oliveira e Anescarzinho do Salgueiro, anteriores ao período retratado. Mas há sambas que já podem ser classificados como clássicos do Carnaval. É o caso de Bum Bum Paticumbum Prugurundum, que levou o Império Serrano ao título de 1982, Sonho de um Sonho, de Martinho da Vila, Tião Grauna e Rodolfo, cantado pela Vila Isabel em 1980, e Contos de Areia, um samba-enredo dos mais belos já feitos.

David Correa: grande campeão

Na faixa O Sol da Meia-Noite pode-se ouvir um samba de andamento civilizado, do tempo em que a Beija-Flor de Nilópolis ainda não competia com os trens da Central. O melhor conjunto reunido no disco pertence ao Império Serrano. De quatro sambas da escola incluídos no CD, pelo menos três são de primeira linha: A Lenda das Sereias Rainhas do Mar, de 1976, Brasil, Berço dos Imigrantes, de 1977, e Bum Bum, de 1982. A Ilha do Governador também aparece com quatro sambas que fizeram sucesso no Carnaval. É Hoje (1982), O Amanhã (1978) —sucesso numa gravação de Simone —, Bom, Bonito e Barato (1980) e Domingo (1977), o melhor deles, que merece figurar em qualquer antologia do gênero. Num disco que reúne compositores feras como Martinho da Vila, Norival Reis, Dedé da Portela e Aluísio Machado, o destaque fica com o grande vencedor de samba-enredo daquele período, David Correa, que entra no álbum com quatro sambas, um pelo Salgueiro e três pela Portela — entre eles o excelente Das Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de uma Noite, de 1981.

RUBEM DA MANGUEIRA — A preocupação justa da indústria, ao lançar uma antologia dessas, é aproveitar a proximidade do Carnaval para faturar. Mas a gravadora poderia ter tido o cuidado mínimo de encartar no álbum as letras dos sambas. O olho gordo no caixa pode explicar também por que só foram incluídos no disco sambas das grandes escolas, deixando de fora enredos importantes como Os Sertões, com que a Em Cima da Hora emocionou a avenida no Carnaval de 1976. Mesmo se considerarmos apenas as escolas de maior público, há omissões imperdoáveis, como a de O que É que a Bahia Tem, da Imperatriz Leopoldinense (1980), um dos melhores sambas de todos os tempos, ou Zaquia Jorge, a Vedete do Subúrbio, um lindo samba do Império Serrano no Carnaval de 1975, que poderiam ocupar faixas em que estão os dispensáveis Verde que Te Quero Rosa, da Mangueira, e O Mundo Melhor de Pixinguinha, do eclético Evaldo Gouveia com o parceiro Jair Amorim, da Portela.

Rubem da Mangueira: aula de como puxar o samba


A falta de crédito aos puxadores dos sambas também é indesculpável num disco que tem Aroldo Melodia, Dominguinhos do Estácio e Silvinho da Portela. Em No Reino da Mãe do Ouro, de 1976, o compositor Rubem da Mangueira dá uma aula de como se canta um samba com clareza para o entendimento e o aprendizado coletivos, valorizando cada nota da melodia. As falhas não mudam o fato de que Os Melhores Carnavais de Sua Vida é um bom disco. Uma peça para colecionadores, saudosistas e amantes da folia, mas também um registro importante de um período ainda rico e romântico do Carnaval das escolas de samba cariocas.

VEJA, 07/02/1996. 

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