segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

PIXINGUINHA E A VELHA GUARDA

Pérolas negras

Três CDs mostram o samba e o choro na interpretação de seus grandes nomes 

Pixinguinha: doze faixas do velho LP Gente da Antiga

Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Antigamente, quem não gostava de samba bom sujeito não era. Hoje, pela qualidade do pagode que toca no rádio e na TV, qualquer um pode não gostar do ritmo e ser um boa-praça. Três discos que acabam de chegar às lojas mostram o que é o samba de verdade. Eles fazem parte da coleção Raízes do Samba, um desses pacotes que as gravadoras lançam, a preços populares, para faturar com títulos antigos na era do CD. Cada um dos discos custa por volta de 10 reais. Entre as três preciosidades que merecem ser garimpadas na coleção, a maior é o CD Pixinguinha, que, ao lado de choros clássicos, como Odeon, 1×0 e Carinhoso, traz as doze gravações originais do disco Gente da Antiga.
Gente da Antiga foi uma invenção do produtor Hermínio Bello de Carvalho. Em 1968, ele reuniu num estúdio Clementina de Jesus, João da Baiana e Pixinguinha (todos já mortos), orientando-os a tocar e cantar o que lhes desse na telha. O resultado resgata o espírito dos encontros na casa das tias baianas, nos bairros da zona portuária e da Cidade Nova, no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século. Clássicos como Batuque na Cozinha, sucesso com Martinho da Vila no início dos anos 70, são mostra de raros registros de um surpreendente João da Baiana, no vigor de seus 81 anos, cantando e tocando o pandeiro que aprendeu com a mãe, a baiana Prisciliana de Santo Amaro.


O disco Gente Antiga: Clementina, Pixinga e João da Baiana

Pixinguinha e João da Baiana freqüentavam as festas de samba e candomblé promovidas pela Tia Ciata, a mais famosa das baianas em torno das quais se reunia a massa pobre de descendentes de escravos. Gente como João, caçula e único carioca numa família baiana de doze filhos, mesclava o ritmo dos sambas-de-roda da Bahia com a harmonia de músicos mais virtuosos do Rio, como Pixinguinha. Ali, derivado do coco e do maxixe, surgiu o samba.
Clementina de Jesus, que reaparece na coleção com um CD próprio, só começou a cantar profissionalmente em 1965, aos 63 anos de idade. A partir de então, gravou vários discos e participou de shows que marcaram época, como o Rosa de Ouro, na década de 60. Seu canto é fortemente marcado pelo sincretismo religioso. Católica fervorosa, ela não deixava de cantarolar músicas de matriz religiosa africana. A isso somava cantigas do folclore, sambas de partido alto e um vasto repertório aprendido nas festas populares da cidade.
O terceiro disco é dedicado ao mangueirense Nelson Cavaquinho e preenche uma lacuna: nenhum de seus poucos álbuns está em catálogo. Agora, vinte de seus melhores sambas estão disponíveis na voz do próprio autor e de intérpretes como Odete Amaral (Folhas Caídas) e Beth Carvalho (Miragem). Os encartes da coleção são precários. Não trazem a letra dos sambas muito menos informam, por exemplo, os músicos que estiveram no estúdio com João da Baiana e Pixinguinha. Gente do naipe de Horondino José da Silva, o Dino Sete Cordas, responsável pela regência nos dois primeiros e antológicos discos de Cartola. Apesar dessas falhas, os três CDs são um bom motivo para desligar o rádio e correr para o toca-discos.

VEJA, 17/11/1999. 

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