segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

CARTOLA

O samba de Angenor de Oliveira



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

No dia 30 de novembro de 2010, fez 30 anos da morte de Cartola. Ele foi um dos maiores compositores da música brasileira, autor de clássicos inesquecíveis, parceiro de Noel Rosa e fundador da Estação Primeira de Mangueira. Uma data que não pode passar esquecida. Compositor de rara sensibilidade, suas músicas comoveram gente do povo, a crítica e músicos eruditos.

Cartola nasceu no bairro carioca do Catete, no dia 11 de outubro de 1908. O mais velho de oito irmãos, foi batizado Angenor de Oliveira, quando os pais queriam chamá-lo Agenor, nome pelo qual foi tratado até o dia em que, nos anos 60, se casou com Eusébia Silva do Nascimento, a Zica, e descobriu-se o erro do cartório. Em laranjeiras, para onde se mudou com a família ainda pequeno, conheceu os ranchos carnavalescos e começou a participar os desfiles tocando cavaquinho, que aprendera com o pai, que também o iniciou no trastejar do violão. Mudou-se para o morro da Mangueira aos 11 anos de idade. Lá conheceu seu futuro parceiro Carlos Cachaça, de quem se tornou amigo para a vida toda. Lá, concluiu o primário. Com a morte da mãe, quando ele tinha dezessete anos, suas relações com o pai foram ficando difíceis. O velho não gostava da vida que ele levava, sempre às voltas com o pessoal da bagunça. Um magote de mangueirenses farristas que fazia samba e arrumava brigas e confusões por onde passava. Foi morar sozinho, ganhando a vida como pedreiro e ajudante de tipografia. Levou 40 anos para voltar a ver o pai. O reencontro foi registrado em vídeo. Juntou-se aos 18 anos com Deolinda, sete anos mais velha e mãe de uma garota de dois anos. Viveu com ela até sua morte, nos anos 40.

      O Primeiro disco


Em 1925 participou da fundação do Bloco dos Arengueiros, grupo que daria origem à Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, de cuja fundação participou, em abril de 1929, tendo sido o responsável pela escolha das cores, o verde e o rosa famosos, em homenagem ao Arrepiados, rancho no qual iniciara sua carreira de folião nas Laranjeiras. No mesmo ano, teve seu primeiro samba gravado por ninguém menos de Francisco Alves, o Rei da Voz: Que Infeliz Sorte!. Assinou o samba como Agenor de Oliveira e não Angenor, que ainda desconhecia, nem como Cartola, apelido que ganhara por usar um chapéu-coco, para proteger a cabeça em seu trabalho de pedreiro. Francisco Alves era um comprador de sambas, uma prática muito comum na época, que existia em função da precariedade da vida dos sambistas, sempre atrás de algum para botar o pão dentro de casa. E Cartola foi um deles. Por outro lado, tornou-se um compositor conhecido pelas mãos do Rei da Voz. Em 1932, seu samba Perdão, Meu Bem foi por ele gravado em dupla com outro craque dos microfones, Mário Reis. Chico Viola (outro apelido de Francisco Alves) gravou no mesmo ano Não Faz Mal Amor (parceria de Cartola com Noel Rosa, o poeta da Vila, que frequentava seu barraco na Mangueira) e Qual Foi o Mal que Eu Lhe Fiz?, e no ano seguinte Divina Dama, um de seus sambas mais belos. A partir daí, suas composições foram sendo gravadas por nomes de primeira grandeza do cenário musical brasileiro, como Carmen Miranda (Tenho Um Nono Amor), Sílvio Caldas (Na Floresta, parceria com Sílvio), Aracy de Almeida (Não Quero Mais, parceria com Zé com Fome e Carlos Cachaça).


O primeiro LP: 1974

Em 1940, por indicação do maestro Heitor Villa-Lobos, participou das gravações que o maestro inglês Leopold Stokowski realizou no Rio de Janeiro, a bordo do navio Uruguai. O inglês buscava músicos populares brasileiros para fazer uma gravação destinada ao Congresso Pan-Americano de Folclore. Cartola gravou então Quem Me Vê Sorrindo, parceria com Cachaça. Villa-Lobos ia à sua casa, admirava suas canções. Dizem que diante dos sambas de Cartola teria se rendido: “Você faz tudo errado, mas fica lindo! Não estuda, não”. A pianista Lilian Barretto explica: “Villa-Lobos dizia que a música de Cartola não obedece a certas regras formais que a música de concerto respeitava até o século passado, mas seu encaminhamento melódico, as alternâncias entre harmonias de tensão e repouso, a pontuação, a inflexão e as pausas são elaboradíssimos. Se o Brasil fosse diferente, podia ter sido nosso Gershwin”.

      Segundo disco: 1976


Cartola estava no auge. Cantava no rádio que vivia sua era de ouro, seus sambas eram disputados pelos intérpretes da moda. Juntou-se a Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres, em 1941, para formar o Conjunto Carioca, com o qual fez apresentações. Era respeitado no asfalto e na escola, que com frequência desfilava com seus sambas. É célebre seu Vale do São Francisco, com o qual a verde e rosa venceu o Carnaval de 1948. Quando a mulher faleceu, Cartola resolveu sair do morro e ficou longe do samba por quase uma década. Nesse período, viveu de bicos no centro do Rio, foi lavador de carros e vigia. Ninguém soube mais dele, até que o jornalista Sérgio Porto foi encontrá-lo por acaso num botequim, em 1956, e o resgatou para a sequência de uma carreira artisticamente brilhante, embora sem o retorno material merecido. “Aquele que não teve a sorte de ser um Antônio Carlos Jobim, vai continuar sendo um Cartola”, diria Elza Soares, em 1969, na revista O Cruzeiro. Voltou a fazer samba, fez apresentações no rádio e, pelas mãos de amigos, arrumou emprego de contínuo no Diário Carioca e depois no Ministério da Indústria e Comércio.



No início dos anos 60, conheceu Zica, que o levou de volta para o morro da Mangueira e com quem se casou em 1964. Com ela abriu, por insistência e financiamento de amigos, o Zicartola, na Rua da Carioca, onde uniu seu talento de compositor às habilidades culinárias da patroa. Ali, viveu dias memoráveis, com a casa cheia de artistas, intelectuais, jornalistas e boêmios. Muitos dos grandes nomes do samba passaram pelo pequeno palco da casa. Foi lá que Paulinho da Viola fez sua primeira apresentação em público. “Naquela época eu não era um profissional, até  hoje tenho dúvidas se sou. O primeiro dinheiro que ganhei com música foram mil cruzeiros pagos pelo Cartola”, contaria Paulinho, em 1969, no jornal Última Hora. Foi lá também que Cartola compôs um clássico da nossa música, o samba O Sol Nascerá, em parceria com Elton Medeiros. O restaurante funcionou até 1965, ano em que Cartola gravou seu primeiro disco, o compacto simples O Divino Cartola, com as músicas Amor Proibido e Bobagem. Na década de 60 foi profícuo, compôs Alvorada e Alegria, outros de seus sambas imortais. Nessa época seus sambas eram disputados por intérpretes como Elizeth Cardoso, Pery Ribeiro, Leny Andrade, Clara Nunes, Nara Leão e muitos outros. Em 1968, participou do disco Fala Mangueira!, que reuniu mangueirenses famosos, como Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça.

Terceiro álbum: 1977

Mas só em 1974 ele gravou seu primeiro álbum, produzido pelo paulista João Carlos Bozelli, o Pelão, com direção artística de Aluizio Falcão, para o selo Marcus Pereira, que se tornou famoso pelos grandes discos que lançou nos anos 70. No LP, Cartola mostrou que além de grande compositor era um cantor refinado e afinado, de interpretação delicada. Dois anos depois, a Marcos Pereira lança seu segundo álbum, no qual aparecem em destaque o Mundo É Um Moinho e o lindo samba Preciso Me Encontrar, de Candeia. Cartola levou muito tempo para ter seus discos solo, mas não foi egoísta. Além de Candeia, reservou espaço para gravar Silas de Oliveira (Senhora Tentação), Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (Pranto de Poeta).


No ano seguinte, 1977, gravou Verde que Te Quero Rosa, seu terceiro LP, produzido por Sérgio Cabral, que mereceu arranjos de Radamés Gnatalli, que o acompanhou ao piano na faixa Autonomia. Mas o ano foi coroado com a cereja do bolo: Beth Carvalho gravou com estrondoso sucesso O Mundo É Um Moinho, regravado inúmeras vezes pelos mais diferentes artistas. Seus sambas continuavam a ser gravados, foi tema de especial da TV Globo e tratado como gênio da música por onde passava. Os shows se sucediam, pelo país todo. Sérgio Cabral produziu, em 1979, o LP Cartola 70 Anos, seu último álbum solo de estúdio, no qual gravou O Inverno do Meu Tempo. No ano seguinte, Beth Carvalho relançou As Rosas não Falam, numa gravação antológica. Cartola não viveria para produzir novas pérolas do nosso cancioneiro. Morreu de câncer no dia 30 de novembro de 1980, aos 72 anos de idade. Ele, que deixara o morro para viver numa casa modesta em Jacarepaguá, teve seu corpo velado na quadra da Mangueira e sepultado no cemitério do Caju.

Quarto álbum: 1979

Marília Trindade Barboza e Arthur de Oliveira, escreveram sua biografia -- Cartola - Os Tempos Idos (Funarte), em 1983. Em 1988, Leny Andrade lançou Cartola-80 Anos, no aniversário de nascimento do poeta. Em 1998, por ocasião dos 90 anos de seu nascimento, o Centro Cultural Banco do Brasil promoveu O Mundo É um Moinho, uma série de shows com diversos artistas, entre eles os parceiros Elton Medeiros e Nelson Sargento. Foi lançada a terceira edição de Cartola - Os Tempos Idos, com dois capítulos novos. A UERJ, em parceria com o MIS, lançou Cartola -- Fita Meus Olhos, contendo depoimentos e artigos de vários autores. A Irmãos Vitale lançou O Melhor de Cartola, songbook com 20 sambas do compositor e o grupo Arranco de Varsóvia lançou o CD Samba de Cartola. O show Iluminado -- Divino Cartola, reuniu três gerações de músicos para homenageá-lo no Parque do Cantagalo, na Lagoa, Rio. Entre os artistas presentes, mais uma vez Nelson Sargento, além de Beth Carvalho, Emílio Santiago, Arranco de Varsóvia, Paulinho Moska e Carol Saboya.


Em 1999, Elton Medeiros e Nelson Sargento lhe prestaram uma homenagem. Acompanhados do regional Galo Preto, gravaram o CD Só Cartola, com duas canções inéditas A  Mangueira É Muito Grande e Sol e Chuva. E três inéditas no Brasil, mas gravadas anteriormente pelo próprio Sargento, em discos produzidos para o mercado japonês pelo produtor amador Katsunori Tanaka: Velho Estácio, Ciúme Doentio e Deixa. As três últimas, foram resgatadas por Nelson Sargento, que as conhecia inacabadas e resolveu concluí-las, estabelecendo uma parceria póstuma com o amigo. No ano seguinte, em comemoração aos 20 anos de sua morte, foram lançadas duas coletâneas, com fonogramas de Cartola, uma pela EMI e outra pela Kaurup. O Museu da Imagem e do Som do Rio montou uma exposição e promoveu um ciclo de palestras, transformando seu pátio numa réplica do Zicartola. No seu centenário, em 2008, um show no Canecão reuniu Alcione, Beth Carvalho, Nelson Sargento, a velha-guarda da Mangueira e a Orquestra de Violinos Cartola Petrobras. O Teatro Fecap, em São Paulo, apresentou o show Cartola 100 Anos – O Centenário de um Mestre, com Elton Medeiros, Zé Renato, Théo de Barros e Márcia.


VEJA.COM 01/12/2010

Um comentário:

  1. Oi,
    Muito interessante a postagem!
    Abraços,
    Lu Oliveira
    www.luoliveiraoficial.com.br

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