segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

DELEGADO DA MANGUEIRA

A elegância no passo do samba




Por Julio Cesar Cardoso de Barros
 
Hégio Laurindo da Silva, o Delegado, mestre-sala da Mangueira, morreu no dia 12 de novembro de 2012, aos 90 anos. Ele nasceu na Mangueira em 29 de dezembro de 1921, cresceu no morro e começou a frequentar o samba no colo da mãe, aos três anos de idade. Ainda menino, integrou o bloco Unidos da Mangueira. Aos 17 anos começou a desfilar como mestre-sala, arte que aprendeu vendo Marcelino, um dos fundadores da atividade, que desfilava como baliza do Bloco dos Arengueiros, precursor da verde e rosa. Mas seu ídolo foi Jorge Rasgado, mestre-sala dos primórdios da escola. Por 36 anos Delegado tirou a nota máxima no desfile, ao lado das porta-bandeiras Nininha, Neide e Mocinha, contribuindo decisivamente para a conquista de vários dos 18 títulos da verde e rosa. “Comecei no samba aos sete anos e estou aí, com a mesma paixão”, dizia o artista. Filho de um operário pé-de-valsa frequentador de gafieira, o rapaz esguio e elegante era um conquistador, “prendia” as moças com seus volteios, o que lhe valeu o apelido que o consagrou. Dono de uma elegância natural, ele fixou a dança do mestre-sala, servindo de parâmetro para gerações de dançarinos das escolas do Brasil todo. Em 2007, sua elegância serviu de inspiração à coleção da grife de moda Chiaro, que o levou da passarela do samba à passarela da moda, onde o menino da Mangueira não fez feio.


O mestre numa gravura de Mario Gruber

Delegado sempre soube da importância do bailado para o bom exercício da função. O mestre-sala e a porta-bandeira são os únicos integrantes do cortejo que não sambam, bailam. Isso o levou a estudar balé com a campista Mercedes Batista, a primeira bailarina negra a integrar – em 1947 - o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio. Foram vários anos de um estudo que aprimorou seus passos, fazendo dele o fenômeno que encantava público, crítica, colegas e experts no assunto. “Aproveitei os ensinamentos de balé de Mercedes Batista para ter noção de coreografia. Um mestre-sala precisa de muita habilidade corporal. Essa garotada deveria saber disso. Se bobear, ainda dou uma surra neles”, brincava. O mestre-sala faz par com a porta-bandeira, mas nem sempre foi assim. No começo, o pavilhão era um estandarte, que blocos e cordões ostentavam como símbolo da agremiação. Os desfiles eram desorganizados, livres, nas ruas da cidade, e o encontro de agrupamentos rivais muitas vezes descambava para a pancadaria. O estandarte passava a ser um troféu de guerra cobiçado, quando não um simples alvo da ira dos atacantes. Para proteger o pavilhão, havia o baliza. Ele vinha com seu bastão, saracoteando em volta da porta-estandarte, escoltando-a. Com o passar do tempo e o surgimento das escolas de samba, o estandarte cedeu lugar à bandeira e o bastão do baliza ganhou substitutos variados. Dos delicados e mais frequentes leques e lenços até a exagerada espada, esta pouco usada (um dos mais notórios mestres-salas espadachins foi Nahum, da X-9 de Santos). Alguns mestres-salas conservaram o bastão, outros chegaram a dançar empunhando uma flor. De guarda-costas, ele se tornou par da porta-bandeira. Viraram casal, com igual importância no desfile. Unidos na alegria e na tristeza. Delegado contava histórias em que sua experiência e sangue frio livrou a escola de desastres que comprometeriam o resultado do desfie, como o caso em que a peruca da porta-bandeira caiu e ele, com um volteio e grande elasticidade recolheu a peça com a boca, erguendo-se com a elegância possível em tal situação, para recolocá-la na cabeça da parceira. A nota 10 estava salva.



Delegado: gestos precisos de mestre-sala

Delegado não se limitou à dança. Na escola de seu coração, dirigiu a bateria, a harmonia e foi ritmista, tocando o famoso surdo sem resposta da escola. Até o fim da vida ele ainda ensinava o bailado aos jovens da Mangueira do Amanhã e dava suas palas na Escola de Mestres-Salas, Porta-Bandeiras e Porta-Estandartes de Mestre Dionísio. E era diretor de Harmonia, além de integrar a Velha Guarda da escola. Numa incursão pelo Carnaval paulistano, foi diretor de Harmonia e Mestre-sala da Camisa Verde e Branco, sem deixar de sair um ano sequer na Mangueira. No Carnaval de 1978, foi vice-campeão nas duas escolas ao mesmo tempo. Ainda com relação ao samba da terra da garoa, foi inspirador e professor de Manézinho, da Unidos do Peruche (e depois da Rosas de Ouro e da Camisa Verde e Branco), o melhor mestre-sala cidade. Eclético, o vascaíno Delegado chegou a bater uma bolinha, tendo atuado como centro-avante do time da Cerâmica Brasileira, posição na qual chegou a treinar no Fluminense. Delegado encantou as platéias do Carnaval carioca até 1984, o primeiro do Sambódromo, a partir do qual deixou a dança para assumir a direção de Harmonia. Naquele ano, com “Yes, nós temos Braguinha”, samba de Jurandir, Hélio Turco, Comprido, Arroz e Jajá, a escola venceu o supercampeonato. Em 1998 ele recebeu a Medalha do Mérito Pedro Ernesto, da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Delegado nasceu no morro Santo Antonio, no complexo da Mangueira, e até sua morte viveu no pedaço do morro conhecido como Olaria, numa casa pintada nas cores da escola. O verde e rosa escolhido por Cartola para colorir o pavilhão da “maior escola do universo”, cuja quadra, o Palácio do Samba, fica a um quarteirão de sua porta. O poeta, jornalista, escritor e produtor cultural Sérgio Gramático Jr. preparava uma biografia do sambista.

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VEJA.COM
08/01/2011

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