A elegância no passo do samba
Por Julio Cesar Cardoso de Barros
Hégio Laurindo da Silva, o Delegado, mestre-sala da Mangueira, morreu no dia 12 de novembro de 2012, aos 90 anos. Ele nasceu na Mangueira em 29 de dezembro de 1921, cresceu no morro e
começou a frequentar o samba no colo da mãe, aos três anos de idade. Ainda
menino, integrou o bloco Unidos da Mangueira. Aos 17 anos começou a desfilar
como mestre-sala, arte que aprendeu vendo Marcelino, um dos fundadores da
atividade, que desfilava como baliza do Bloco dos Arengueiros, precursor da
verde e rosa. Mas seu ídolo foi Jorge Rasgado, mestre-sala dos primórdios da
escola. Por 36 anos Delegado tirou a nota máxima no desfile, ao lado das
porta-bandeiras Nininha, Neide e Mocinha, contribuindo decisivamente para a
conquista de vários dos 18 títulos da verde e rosa. “Comecei no samba aos sete
anos e estou aí, com a mesma paixão”, dizia o artista. Filho de um operário
pé-de-valsa frequentador de gafieira, o rapaz esguio e elegante era um
conquistador, “prendia” as moças com seus volteios, o que lhe valeu o apelido
que o consagrou. Dono de uma elegância natural, ele fixou a dança do
mestre-sala, servindo de parâmetro para gerações de dançarinos das escolas do
Brasil todo. Em 2007, sua elegância serviu de inspiração à coleção da grife de
moda Chiaro, que o levou da passarela do samba à passarela da moda, onde o
menino da Mangueira não fez feio.
Delegado sempre soube da importância do bailado para o bom exercício da
função. O mestre-sala e a porta-bandeira são os únicos integrantes do cortejo
que não sambam, bailam. Isso o levou a estudar balé com a campista Mercedes
Batista, a primeira bailarina negra a integrar – em 1947 - o corpo de baile do
Teatro Municipal do Rio. Foram vários anos de um estudo que aprimorou seus
passos, fazendo dele o fenômeno que encantava público, crítica, colegas e experts
no assunto. “Aproveitei os ensinamentos de balé de Mercedes Batista para ter noção
de coreografia. Um mestre-sala precisa de muita habilidade corporal. Essa
garotada deveria saber disso. Se bobear, ainda dou uma surra neles”, brincava. O
mestre-sala faz par com a porta-bandeira, mas nem sempre foi assim. No começo,
o pavilhão era um estandarte, que blocos e cordões ostentavam como símbolo da
agremiação. Os desfiles eram desorganizados, livres, nas ruas da cidade, e o
encontro de agrupamentos rivais muitas vezes descambava para a pancadaria. O
estandarte passava a ser um troféu de guerra cobiçado, quando não um simples
alvo da ira dos atacantes. Para proteger o pavilhão, havia o baliza. Ele vinha
com seu bastão, saracoteando em volta da porta-estandarte, escoltando-a. Com o
passar do tempo e o surgimento das escolas de samba, o estandarte cedeu lugar à
bandeira e o bastão do baliza ganhou substitutos variados. Dos delicados e mais
frequentes leques e lenços até a exagerada espada, esta pouco usada (um dos
mais notórios mestres-salas espadachins foi Nahum, da X-9 de Santos). Alguns
mestres-salas conservaram o bastão, outros chegaram a dançar empunhando uma
flor. De guarda-costas, ele se tornou par da porta-bandeira. Viraram casal, com
igual importância no desfile. Unidos na alegria e na tristeza. Delegado contava histórias em que sua experiência e sangue frio livrou a escola de desastres que
comprometeriam o resultado do desfie, como o caso em que a peruca da
porta-bandeira caiu e ele, com um volteio e grande elasticidade recolheu a peça
com a boca, erguendo-se com a elegância possível em tal situação, para
recolocá-la na cabeça da parceira. A nota 10 estava salva.
Delegado: gestos precisos de mestre-sala
Delegado não se limitou à dança. Na escola de seu coração, dirigiu a
bateria, a harmonia e foi ritmista, tocando o famoso surdo sem resposta da
escola. Até o fim da vida ele ainda ensinava o bailado aos jovens da Mangueira do Amanhã
e dava suas palas na Escola de Mestres-Salas, Porta-Bandeiras e Porta-Estandartes
de Mestre Dionísio. E era diretor de Harmonia, além de integrar a Velha Guarda da
escola. Numa incursão pelo Carnaval paulistano, foi diretor de Harmonia e
Mestre-sala da Camisa Verde e Branco, sem deixar de sair um ano sequer na
Mangueira. No Carnaval de 1978, foi vice-campeão nas duas escolas ao mesmo
tempo. Ainda com relação ao samba da terra da garoa, foi inspirador e professor
de Manézinho, da Unidos do Peruche (e depois da Rosas de Ouro e da Camisa Verde
e Branco), o melhor mestre-sala cidade. Eclético, o vascaíno Delegado chegou a
bater uma bolinha, tendo atuado como centro-avante do time da Cerâmica
Brasileira, posição na qual chegou a treinar no Fluminense. Delegado encantou
as platéias do Carnaval carioca até 1984, o primeiro do Sambódromo, a partir
do qual deixou a dança para assumir a direção de Harmonia. Naquele ano, com
“Yes, nós temos Braguinha”, samba de Jurandir, Hélio Turco, Comprido, Arroz e
Jajá, a escola venceu o supercampeonato. Em 1998 ele recebeu a Medalha do
Mérito Pedro Ernesto, da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Delegado
nasceu no morro Santo Antonio, no complexo da Mangueira, e até sua morte viveu no pedaço
do morro conhecido como Olaria, numa casa pintada nas cores da escola. O verde
e rosa escolhido por Cartola para colorir o pavilhão da “maior escola do
universo”, cuja quadra, o Palácio do Samba, fica a um quarteirão de sua porta.
O poeta, jornalista, escritor e produtor cultural Sérgio Gramático Jr. preparava uma biografia do sambista.
Um professor fiel ao morro: aulas para sambistas de amanhã
VEJA.COM
08/01/2011
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