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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

DIOGO NOGUEIRA

Filho de bamba


Por Julio Cesar Cardoso de Barros

O sambista Diogo Nogueira grava seu segundo DVD na quinta-feira, dia 23 (de julho de 2010), durante show com convidados no Vivo Rio, na Avenida Infante Dom Henrique, 85, Parque do Flamengo. No repertório, músicas de seu segundo CD Tô Fazendo a Minha Parte. Com destaque para a faixa bônus do disco, Malandro é Malandro, Mané é Mané (de Neguinho da Beija-Flor, gravada anteriormente por  Bezerra da Silva), que fez grande sucesso ao ser incorporada à trilha sonora da novela Caminho das Índias. Tem também Presente de Deus, de Fred Camacho e Alceu Maia, um samba rasgado para agradar nos terreiros*. Sou Eu, de Ivan Lins e Chico Buarque, já é mais para salão, é um samba bom de ouvir e de dançar a dois. O compositor Arlindo Cruz e o baterista e cantor Wilson das Neves, duas cobras criadas, fizeram Não Dá, samba que permite a Diogo exibir seus recursos vocais*.
*O samba acabou não entrando no novo DVD.

Sou Eu: segundo DVD ao vivo

 Diogo Nogueira é um carioca de 29 anos, filho do cantor e compositor João Nogueira (falecido em 2000), neto de João Batista Nogueira, um músico que tocou com Noel Rosa e era amigo de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Donga e João da Baiana.

Primeiro DVD ao vivo

A mãe, Angela Maria Nogueira e a tia Gisa Nogueira são compositoras e o primo Didu Nogueira é cantor. Em 2007, Diogo lançou seu primeiro disco e DVD, Diogo Nogueira ao Vivo, gravado no Teatro João Caetano (RJ), com músicas suas e antigos sucessos como Poder da Criação, de seu pai, e Vazio,  de Nelson Rufino, gravado originalmente por Roberto Ribeiro, nos anos 70.

Diogo canta Poder da Criação na festa de Beth Carvalho:

Em 2008 Diogo ganhou o prêmio Multishow de Música Brasileira na categoria revelação. No ano passado, gravou Tô Fazendo a Minha Parte, o disco que vai servir de base para o DVD, com algumas músicas inéditas, de sua autoria e de figurões da MPB e de bambas do samba, como Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Almir Guineto. Paralelamente aos shows e gravações, Diogo conquistou em sua ainda curta carreira o tetra-campeonato do samba-enredo na Portela – o que não é pouco – e ganhou um programa na TV Brasil: Samba na Gamboa.

Tô Fazendo a Minha Parte: segundo CD

O pai, fundador do Clube do Samba e um dos mais expressivos e populares cantores dos anos 70 e 80, era um tradicionalista. Criticou a invasão do samba pelos cinturas grossas, no samba Vem Quem Tem (1975), em que dizia: “Ela desfila na avenida/ Diz ser a preferida, mas não é/ Diz que tem certa veia de sambista/ Mas a tal artista/ Nem mesmo sabe o que quer”. Diogo, por seu lado, é eclético, gravou com o rapper carioca Marcelo D2 e a roqueira baiana Pitty. Fisicamente, Diogo lembra bastante o pai, mas a voz é um espanto de parecida, tem o mesmo timbre. No palco, parece uma reencarnação modernizada. Mas se alguns filhos de figurões da música ficam constrangidos quando comparados aos pais famosos, Diogo parece não ter o menor problema em cantar parecido com João Nogueira. O forte de João era a divisão e o vozeirão redondo. Era um cantor originalíssimo, além de bom compositor. Nesse quesito, Diogo ainda tem que gramar bastante. Mas se seu pai não era exatamente um galã, quando Diogo entra no palco é um frisson danado. A mulherada fica maluca com seu visual entre o sambista tradicional, o roqueiro e o surfista, com brincos, tatuagens e roupas descoladas. Essa imagem mais atual tem trazido para o samba um público que não tinha grande interesse pelo gênero. As semelhanças entre Diogo e o pai não se limitam à música. Diogo quase foi jogador profissional de futebol, mesmo sonho acalentado por seu pai, antes de se dedicar à música. Mas uma contusão tirou o jovem de campo e o Brasil ganhou um bom intérprete. Essa história remete à biografia do pai cantada nos versos do samba Espelho (parceria de João com Paulo Cesar Pinheiro, de 1977), no qual João cantou: “Um dia chutei mal e machuquei o dedo/ E sem ter mais o velho pra tirar o medo/ Foi mais uma vontade que ficou pra trás”. Diogo também perdeu o velho e machucou o dedo, herdando do pai o mesmo destino musical.

Ouça Espelho, com João no telão e Diogo no palco:


VEJA.COM 20/07/2010

DIOGO NOGUEIRA 2

Um novo Diogo Nogueira

Em seu novo CD – e DVD – ao vivo, o cantor e 
compositor dá uma guinada na curta carreira

Diogo Nogueira: arriscando sem medo de comparações


Por Julio Cesar Cardoso de Barros


Diogo Nogueira acaba de lançar seu novo CD, Sou Eu, gravado ao vivo em show que resultou também num DVD. Quem conhece Diogo, filho do grande João Nogueira, e acompanha sua curta mas intensa carreira, sabe de duas coisas: sua voz tem um timbre naturalmente parecido com o do pai; ele não se esforçou nem um pouco para disfarçar a semelhança e fugir das comparações. Seu repertório de show e do primeiro CD é marcado por sucessos de João, lançados nos anos 70 e 80, mas ainda vivos na memória dos mais antigos. Assim como acontece com Maria Rita, a filha de Elis, não houve crítica que não abordasse a semelhança e as diferenças entre pai e filho. A lembrança do pai famoso é uma faca de dois legumes, como supostamente dizia Vicente Matheus, o folclórico presidente do Corinthians, já falecido. Se de um lado funciona como um impulso inicial para a carreira, age também como freio, pois as comparações dificilmente beneficiam o filho. E a crítica é implacável com os deslizes do novato, permanentemente depreciado diante do peso massacrante da figura paterna – ou materna.
Pois bem, Diogo não só tirou de letra essas questões como esperou o momento certo para romper o elo genético-artístico. Em seu novo disco só o vozeirão lembra João – está um pouco mais denso que nos primeiros trabalhos, o que lhe confere maior semelhança com o pai. No mais, o repertório – recheado de antigos sucessos de velhas paradas – e o caminho que Diogo parece estar traçando para sua carreira fogem do modelo paterno. Diogo se prepara para se tornar um superestar do samba e da MPB. Um cantor das massas. Nesse sentido, Sou Eu é um disco comercial. Foi feito visando romper as fronteiras restritas do chamado samba de raiz e do universo lapeano. O CD não tem traço do pai. É puro Diogo. Se lembra alguém, é Benito de Paula em seus melhores momentos.

Diogo: novo CD ao vivo

Com Tô Te Querendo (Xande De Pilares/Adalto Magalha/ Almir Guineto), Diogo arrasta a sandália num forró entre o pé-de-serra e o universitário, seguindo uma tendência de mercado que ganhou casas noturnas badaladas e gafieiras tradicionais. Pelo Amor De Deus (Paulo Debetio/Paulinho Rezende), ressuscita o sambão muito bem gravado por Emílio Santiago. Surge o Diogo crooner, com oportunidade de exibir sua voz agradável de timbre nogueriano. Me Leva (Toninho Geraes/Serginho Beagá) é um samba romântico daqueles feitos para o canto coletivo e a exaltação, não para o cantarolar contido da dor-de-cotovelo. Um refrão forte, que não deixa ninguém de boca fechada. Na inédita Razão para Sonhar, uma parceria com Inácio Rios, o arranjo mais pop faz um sambalanço marcado por surdo tradicional à la Originais do Samba, Batucajés e Trio Mocotó. As feras Chico Buarque de Holanda e Ivan Lins aparecem em grande estilo na faixa Sou Eu (Ivan Lins/Chico Buarque), que dá título ao trabalho, com a luxuosa participação dos autores no vocal. Chico reaparece com seu clássico Homenagem ao Malandro.Contando Estrelas lembra as levadas baianas de Nelson Rufino, embora tenha o jamegão do carioquíssimo Ciraninho, multicampeão de samba-enredo na Portela em parceria com Diogo, e autor de vários sambas do bloco ipanemense Simpatia é Quase Amor.

DVD: 23 faixas entre inéditas e sucessos

O disco é de sambas em estilos variados, mas com temática redundante: as coisas do coração. Do sambão-jóia dos 70, passando pelos pagodes cariocas dos 80, chegamos aos pagodes mela-cuecas dos 90. Alcione, a Marron, assinaria o repertório. Vestibular Pra Solidão inclui nesse rol o pagodeiro mineiro, com incursões no romântico latino, Alexandre Pires. É o crooner Diogo de volta. Ciraninho reaparece, em parceria com Leandro Fregonesi, no também romântico Amor Imperfeito, outro exemplar saído do universo Alcione, que marca presença numa reverência ao jovem artista, dando sua concha de chá. Do malandro homenageado por Chico, o disco emenda o malandro de Neguinho da Beija-Flor, em Malandro é Malandro, Mané é Mané (sucesso de Bezerra da Silva), da trilha sonora da novela Caminho das ÍndiasO sambão-jóia se apresenta sem pudores no mega-sucesso de Agepê Deixa Eu Te Amar (Mauro Silva/Camillo/Agepê), regravado aqui com o arranjo original. O samba romântico, que monopoliza o disco, reaparece sem o mel do neo-pagode, mas com o visgo dos bons pagodeiros Almir Guineto e Zeca Pagodinho, no lindo Lama nas Ruas, regravado com um sublime arranjo de cordas. Tô Fazendo A Minha Parte (Gilson Bernini / Flavinho Silva) retoma o estilo caciqueano do pagode dos anos 80, que prossegue nos empolgados Da Melhor Qualili (Serginho Meriti/Claudinho Guimarães) e A Vitória Demora Mas Vem (Juninho Thybau/Anderson Baiaco/Luiz Café). Fecha o disco uma faixa bônus que não consta do DVD, o estranho no ninho Pra que Discutir com Madame, um antológico samba sincopado de Haroldo Barbosa (com Janet de Almeida) dos anos áureos da música brasileira, marcado por sua inclusão no repertório exigente de João Gilberto. Como o disco será recebido pela crítica é coisa de se pagar para ver. Mas uma coisa é certa, Diogo tem coragem, sem temor de ser pop e, sem ter mais “o velho” pra lhe tirar o medo, meteu os peitos na empreitada. O DVD tem 23 faixas, sete a mais que o CD, incluindo uma seleção de três clássicos do samba-enredo.

VEJA.COM 02/11/2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

JOÃO NOGUEIRA

Uma homenagem ao poeta da calçada





Por Julio Cesar Cardoso de Barros



João Batista Nogueira Júnior, o João Nogueira (12/11/1941-5/6/2000), cantor e compositor que se autodefinia como um sambista da calçada – como Noel Rosa - em contraponto aos sambistas do morro, morreu no dia 5 de junho de 2000, deixando uma legião de fãs de seu estilo muito pessoal de compor e cantar o samba e uma obra impecável. Talentoso e muito querido, ele emprestou seu nome a um centro cultural na sua cidade natal. No dia 8 de fevereiro de 2011, a prefeitura do Rio de Janeiro deu início às obras do espaço em sua homenagem, no local onde funciona a casa de espetáculos Imperator, um antigo cinema para 2 400 pessoas, que foi o maior da América Latina. No dia 12 de junho de 2012 a obra foi inaugurada com show para convidados e no dia 15 foi aberta ao público em geral. A prefeitura fez um investimento de 21 milhões de reais no prédio, que conta com salas de cinema, teatro, exposições, livraria e bistrô, além de um local exclusivo para guardar o acervo do artista. O prédio de três andares previa ainda um terraço verde de 1 200 metros quadrados com restaurante. O terreno, localizado no Méier - bairro onde João Nogueira nasceu, em 12 de novembro de 1941 - foi cedido pelo Estado em cerimônia da qual participaram o governador Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes, o cantor e compositor Diogo Nogueira, filho de João, e Ângela Maria Nogueira, sua viúva.


Filho de um advogado e violonista que tocava com a Velha Guarda do samba e com chorões de porte, João Nogueira começou a compor aos 15 anos, fazendo sambas para o bloco carnavalesco Labareda, do Méier, através do qual conheceu o músico Moacyr Silva, dirigente da gravadora Copacabana, que o ajudou a gravar o samba Espere, Ó Nega, em 1968. Mas ele apareceu na cena artística nacional quando no início dos anos 70 emplacou o sucesso Das 200 Pra Lá, samba que defendia a política de expansão de nossa fronteira marítima ao longo de 200 milhas da plataforma continental. O samba assumiu as primeiras posições das paradas na voz de Eliana Pittman e mereceu citação em reportagem da revista americana Time, pelo seu tom nacionalista afirmativo. Funcionário da Caixa Econômica, João se viu às voltas com certo patrulhamento, já que a bandeira das 200 milhas havia sido levantada pelo governo militar. "Pensaram que eu tinha virado Dom e Ravel", brincou ele mais tarde. Seu primeiro disco foi um compacto simples com Alô Madureira e Mulher Valente. Em 1969 Elizeth Cardoso gravou seu Corrente de Aço, no disco Falou e Disse.

João Canta Do Jeiro que o Rei Mandou:

Mas o primeiro álbum, que levou seu nome no título, só veio em 1972, pela Odeon, selo pelo qual lançaria seus primeiros seis LPs. No disco, um clássico: Beto Navalha, regravado com grande força por Martinho da Vila, em 1973, no LP Origens. Mas a largada para valer de João Nogueira na carreira se deu em 1974, com seu segundo LP, E Lá Vou Eu, disco que chamou a atenção da crítica e do mercado para uma novidade no reino do samba. A começar pelas parcerias com Paulo César Pinheiro (E Lá Vou Eu, Batendo a Porta, Eu Hein, Rosa (esta regravada por Elis Regina com grande sucesso em 1979), Partido Rico  e o lírico Braço de Boneca), Zé Catimba, o genial compositor da Imperatriz, aparece em Do Jeito Que o Rei Mandou, e a irmã Gisa Nogueira em Meu Canto Sem Paz e Eu Sei Portela. O disco resultou num show intimista em que o carioca se apresentou ao violão no Teatro 13 de Maio, em São Paulo, para uma platéia embevecida com a novidade.


João era diferente, não vinha do morro nem das escolas de samba, embora frequentasse a Portela desde criança, levado pelo pai, e não era o compositor de apartamento que fazia o ritmo popular, como Carlinhos Lyra, Tom Jobim e tantos outros. Se aproximava mais de Paulinho da Viola, com seu samba de varanda, som de subúrbios de casas avarandadas, de terreno antigo trilhado no choro e na seresta. Seu jeito de cantar era típico dos intérpretes do samba sincopado dos anos 40 e 50. Mas tinha personalidade. Como os velhos cantores, João brincava com a divisão, reinventando a síncopa. "É mais um João que veio diferente no cantar samba e fazer verso. É mais uma reza forte nas quebradas", disse dele o radialista e produtor Adelzon Alves, um grande impulsionador de seu início de carreira. Estava aberta a porteira pela qual João faria passar sua boiada. Em 1975, lançou Vem Quem Tem, novo grande disco, no qual se destacou a homenagem que fez a Natal, o todo poderoso dirigente da Portela e bicheiro de Madureira, a quem dedicou O Homem de Um Braço Só.


Se no LP de 1974 ele reservara uma faixa para Noel Rosa, de quem gravou Gago Apaixonado, neste ele gravaria Não Tem Tradução, reverenciando mais uma vez o poeta da Vila, um dos três esteios de sua inspiração, ao lado de Geraldo Pereira e Wilson Batista, dos quais recebeu as influências que explicavam seu estilo de compor e cantar o samba – e aos quais dedicaria um LP inteiro (Wilson, Geraldo e Noel, 1981, Polygram). O disco, contudo, seria lembrado por outros sucessos, como Nó na Madeira (parceria com Eugênio Monteiro) e Mineira, uma homenagem a Clara Nunes, parceria com P. C. Pinheiro, o marido da cantora. O disco trazia ainda três parcerias com um jovem violonista de muito talento, que se revelava ótimo compositor, Cláudio Jorge, com quem assinou três faixas do disco (Samba da Bandola, Chorando Pelos Dedos e Pra fugir Nunca Mais). Ivor Lancelotti, de quem João gravara o lindo samba-canção De Rosas e Coisas Amigas, no disco de 1974, reaparecia com Seu Caminho Se Abre. Em 1979 ele introduziria o parceiro no show João Nogueira Apresenta Ivor Lancelotti. Quando Diogo Nogueira, seu filho, canta Espelho, faixa título do disco que João lançou em 1977, os jovens que formam sua legião de fãs imaginam que ele está falando do pai, nos versos que dizem “Um dia chutei mal e machuquei o dedo/ E sem ter mais o velho pra espantar o medo/ Foi mais uma vontade que ficou pra trás”. Afinal, Diogo foi jogador profissional de futebol, esporte que abandonou depois de sofrer uma séria contusão. Na verdade a letra da música é auto-biográfica, sim, mas de João, o pai, referindo-se ao avô de Diogo. O flamenguista João Nogueira foi também um boleiro frustrado por uma contusão.


Nos quatro primeiros discos que João lançou estavam dadas as linhas mestras do que seria sua carreira. E está contido o melhor do compositor, que um dia entrou no Portelão cantando “Hoje eu estou cheio de alegria/ E sou até capaz de me embriagar/ Uns amigos bambas neste dia/ Me convidaram a participar/ De uma escola de samba que é todo meu dengo/ De um terreiro de bambas que é todo meu mal/ Vou me livrar da tristeza/ E sambar na beleza do seu Carnaval”, samba de apresentação à ala dos compositores da Águia de Osvaldo Cruz, que o convidará a se juntar a seus bambas, em 1972. O namoro duraria até meados dos anos 80, quando João abandonou a escola, descontente com os rumos que o presidente Carlinhos Maracanã lhe impôs, e juntou-se a outros sambistas, herdeiros do velho Natal, para fundar, em 1984, a Tradição, escola para a qual compôs em parceria com P. C. Pinheiro os cinco primeiros sambas-enredo, de 1985 a 1989. Diogo, seu filho, é a reconciliação com a Portela, onde foi por quatro vezes vencedor do samba-enredo.


João canta Espelho:

Em 1979, João fundou o Clube do Samba, com Alcione, Martinho da Vila e Beth Carvalho, entidade à qual dedicou o título de seu disco daquele ano, que trouxe novos sucessos, como Súplica e Canto do Trabalhador (com P. C. Pinheiro). O clube, que no início funcionava em sua casa e que mais tarde lançou um bloco carnavalesco para desfilar na Avenida Rio Branco arrastando foliões saudosos dos velhos carnavais, funcionou em vários endereços, inclusive na Barra da Tijuca. Pelo seu palco passaram os grandes nomes do samba e compositores das escolas cariocas. Era frequente a programação reunir numa mesma noite gente do naipe de Ivone Lara, João Nogueira e Roberto Ribeiro, que um ano depois de sua morte foi homenageado pelo bloco no Carnaval. O próprio João, morto no ano 2000, seria homenageado no Carnaval seguinte com o tema “Como Diria João”.


Uma das músicas mais cantadas de João, uma espécie de hino dos compositores, foi o sucesso do disco de 1980, Boca do Povo. Trata-se de Poder da Criação (“Ninguém faz samba só porque prefere/ Força nenhuma no mundo interfere/ Sobre o poder da criação”), novamente com P. C. Pinheiro, seu parceiro mais constante, com quem acabou por lançar o CD Parceria, em 1994, no qual comemoravam 22 anos de composições conjuntas e mais de 50 obras compostas. "A gente senta junto e, quando levanta, está saindo um samba. Até mesmo sem querer", diria João. Nas dezessete faixas do CD, há uma homenagem a Clara Nunes, morta em 1983, nas faixas Um Ser de Luz e As Forças da Natureza, de versos emocionados como As pragas e as ervas daninhas/ As armas e os homens do mal/ Vão desaparecer/ Nas cinzas de um Carnaval. João lançaria outros grandes discos, como o já citado em homenagem aos três grandes do samba, Wilson, Geraldo, Noel, seu nono álbum (1981), só com músicas dos três autores, dando descanso à parceria com P. C. Pinheiro.


João canta Nó na Madeira:

Ele seguiria lançando discos de qualidade (18 álbuns-solo no total) e participaria de discos coletivos, como Clara Nunes – Com Vida (1995), no qual dividiu as faixas com gente como Martinho da Vila, Roberto Ribeiro e Nana Caymmi. E Chico Buarque da Mangueira (1998), disco em homenagem ao compositor, que era enredo da escola naquele ano. Em 1995, com o maestro e pianista Marinho Boffa, João gravaria um CD só com músicas desse mesmo Chico Buarque de Hollanda, num trabalho de Almir Chediak com catorze canções, dentro da segunda edição do projeto Letra e Música. O disco foi lançado com um show no programa Seis e Meia do Teatro João Caetano. Ele participou também do disco Esquina do Samba, gravado ao vivo em 2000 no botequim Pirajá, em São Paulo, com Ivone Lara, Walter Alfaiate, Beth Carvalho, Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila e outros. No mesmo ano participou de um disco da Velha Guarda da Portela. Em 2009 foi çançado um DVD da participação de João Nogueira no programa Ensaio, da TV Cultura de São Paulo.

João Nogueira morreu na madrugada do dia 5 de junho de 2000, aos 58 anos, vítima de um infarto fulminante, em sua casa no Recreio dos Bandeirantes. João vinha sofrendo de problemas circulatórios que lhe haviam causado uma isquemia cerebral dois anos antes. Esteve internado em estado grave por um bom tempo, mas conseguiu se recuperar. Sofreu nova isquemia de menor impacto no início de 2000 e outra dois meses depois. Mas, sob observação médica, estava confiante, levava uma vida mais regrada, e ensaiava para shows que faria por aqueles dias, nos quais planejava apresentar trabalhos inéditos, além de sucessos de seu último álbum, João de Todos os Sambas, lançado em 1998 na quadra da Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha, na favela que era homenageada no disco: "Junto ao mar/ Num morro que era ainda despovoado/ E dividia a Gávea e São Conrado/ Nasceu uma favela", dizia na faixa Rocinha. Foi uma perda grande para a cena musical brasileira. "Ele tinha uma forma de frasear muito própria. Não vejo seguidores dele. Creio que essa escola, cuja origem talvez tenha sido Ciro Monteiro, se acaba com a morte de João", lamentou Hermínio Bello de Carvalho. Todos sabiam de suas qualidades especiais de intérprete, mas João valorizava mesmo as composições. Só em 1999, quando recebeu o Troféu Eletrobras de MPB é que reconheceu seu canto. "Hoje estou adorando cantar. Antes, gostava que me vissem mais como compositor", disse. João deixou três filhos, entre eles Diogo, que pegou o bastão, não deixou a peteca cair e nos faz matar as saudades do pai, dada a semelhança física, vocal e a simpatia com que representa o melhor samba carioca.

VEJA.COM 19/02/2011