quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

LAMARTINE BABO

Lalá ainda reina



Por Julio Cesar Cardoso de Barros


Uma nota publicada na edição do dia 2 de junho de 2010 da VEJA, na seção Radar, dizia: “Muito se falou do Rebolation, mas, entra ano, sai ano, a febre do Carnaval são mesmo as marchinhas. Levantamento realizado pelo Ecad mostra que, das vinte músicas mais tocadas em fevereiro nas casas de festas e eventos de rua país afora, dezoito eram do gênero. As duas exceções são o frevo Vassourinhas, na 14ª posição, e, aí sim, o intragável Rebolation, em vigésimo. O pódio ficou para Mamãe Eu Quero, Cabeleira do Zezé e Me Dá um Dinheiro Aí. Entre os compositores, os cariocas João Roberto Kelly, Braguinha e Lamartine Babo foram os mais tocados”. Autor de alguns dos maiores sucessos do Carnaval, Lamartine fez escola, criou um estilo de música carnavalesca que durante décadas dominou as ondas do rádio, o mercado fonográfico e os salões da folia. Foi parceiro de Noel Rosa em músicas como A-B-Surdo,  Menina dos Meus Olhos e A, E, I, O, U (“A, E, I, O, U/ Dabliú, dabliú/Na cartilha da Juju, Juju”), de Assis Valente, em Jeannette, e de Ary Barroso, em Grau Dez, Amor de Mulato e na dolente No Rancho Fundo, gravada em 1931 por Elizinha Coelho (uma das primeiras divas do rádio, mãe do jornalista Goulart de Andrade) e regravada infinitas vezes, uma das mais recentes pela dupla Chitãozinho e Chororó.

Chitãozinho e Chororó cantam No Rancho Fundo:

Outro parceiro constante de Lalá foi Braguinha, o João de Barro, com quem fez sucessos como Cantores do RádioEu Queria Ser Ioiô (gravada por Carmen Miranda). Mário Reis gravou da dupla Uma Andorinha Não Faz Verão, sucesso estrondoso no carnaval de 1934:


Vem moreninha

Vem tentação
Não andes assim tão sozinha
Que uma andorinha não faz verão



Algumas de suas marchinhas venceram o tempo e ainda hoje são cantadas durante os festejos de Momo. É o caso de Linda Morena (Linda morena, morena/ Morena que me faz penar/ A lua cheia que tanto brilha/ Não brilha tanto quanto o teu olhar) O Teu Cabelo Não Nega.



Ouça O Teu Cabelo Não Nega:


 Grau Dez é outro clássico do gênero: ”A vitória há de ser tua, tua, tua/ Morenininha prosa/ Lá no céu a própria lua, lua, lua/ Não é mais formosa/ Rainha da cabeça aos pés/ Morena eu te dou grau dez! As marchinhas carnavalescas são cantadas ainda hoje, mas no passado elas não só tocavam no rário e eram cantadas nos bailes como davam um bom dinheiro para seus autores, provocando disputas acirradas.

Lalá por Nássara: concorrente e parceiro

Em 1934, Lamartine vencia um concurso de marchinhas quando outro craque do gênero, o cartunista Nássara, teve sua marcha, Maria Rosa, desclassificada sob acusação de plágio. Lamartine abiscoitou o primeiro lugar com a marchinha Ride Palhaço, mas Nássara reagiu,  provando que a música do concorrente era um plágio da ópera Pagliacci, de Leoncavallo. Desclassificado Lalá, Nássara venceu o concurso com nova marchinha, feita ali, na hora. O auge se deu nos anos 60/70, quando o dinheiro começou a fluir pesadamente nos cofres das sociedades arrecadadoras, que intensificaram a fiscalização sobre salões de bailes e emissoras de rádio, engrossando os proventos dos autores. Mas isso atraiu gente gulosa, como disse o maior intérprete de marchinhas de todos os tempos, Joel de Almeida, que denunciou no jornal Folha de S. Paulo, em 1970, o avanço dos “picaretas” que ameaçavam os domínios dos autores: “Os autores não aguentam a competição desonesta de ilustres desconhecidos que até  pagam para que as orquestras toquem as suas músicas em bailes de carnaval”. Joel, que em 1964 interpretou Lamartine na revista de Carlos Machado Teu Cabelo não Nega, sucesso durante seis meses no Golden Room do Copacabana Palace Hotel, indignava-se. Associada ao jabaculê pago para que suas músicas tocassem nas rádios, esses bicões deixaram a velha guarda das músicas carnavalescas para trás. Só não contavam que as marchinhas antigas, como as de Lamartine, se imporiam imortalizadas na voz dos foliões. Lamartine não fazia só marchinhas carnavalescas. Ele compôs outros gêneros com grande competência e inspiração, como o fox Canção Pra Inglês Ver, gravado por Joel e Gaúcho, e canções juninas, que ainda hoje animam as noites frias de São João, como Chegou a Hora da Fogueira. É ainda autor dos hinos alternativos dos times cariocas de futebol (ninguém canta os hinos oficiais, só os seus) e torcedor fanático do América, para o qual reservou a melodia mais bonita.

Ouça o hino do América?

Mas como lembra Daniel Banho, numa colaboração a este blog: “Lamartine era um gênio, de fato, mas a melodia do hino do America é plágio. O que, acredito, não diminui em nada seu brilhantismo e importância histórica para música brasileira”.


Mais do que plágio, acho que Lamartine fez uma verdadeira versão da música, com nova letra em ritmo de marcha-dobrado. Trata-se da canção Row Row Row, do show da Broadway: “Ziegfield Follies Of 1912″, de James V. Monaco e William Jerome, que teria sido feita como homenagem aos remadores americanos e adotada depois pelos atletas da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Vivendo e aprendendo. No hino, por exemplo, os versos da canção original, ”And then he’d row, row, row/ Way up the river he would row, row, row/ A hug he’d give her/ Then he’d kiss her now and then/ She would tell him when/ They’d fool around and fool around/ And then they’d kiss again“, viraram: “Hei de torcer, torcer, torcer/ Hei de torcer até morrer, morrer, morrer/ Pois a torcida americana é toda assim/ A começar por mim/ A cor do pavilhão é a cor do nosso coração“. Uma versão pura de parte da música original. Daniel Banho envia ainda reportagem de O Globo, de 2006, em que o ator Paulo Silvino afirma ser o hino do Fluminense também um plágio. Que me perdoem os outros, mas são justamente os dois mais bonitos, Flu e América. Na reportagem enviada por Banho, ficamos sabendo que o jornalista Sérgio Cabral certa vez perguntou ao próprio Lamartine se ele tinha mesmo copiado o hino do América, o de que Cabral mais gostava, de uma canção famosa nos Estados Unidos. Lamartine, então, respondeu com graça: “Mas o nome do clube não é América?”.
Foi fantasiado de diabo (mascote do clube), que ele comemorou o último campeonato do time, em 1960. Em 1981 a escola de samba Imperatriz Leopoldinense homenageou o compositor no enredo O Teu Cabelo Não Nega (Só dá Lalá), de Arlindo Rodrigues, cujo samba, de autoria de  Zé Catimba, Gibi e Serjão, magistralmente puxado por Dominguinhos do Estácio, dizia:


 Linda morena

Com serpentinas enrolando foliões
Dominós e colombinas
Envolvendo corações
Quem dera
Que a vida fosse assim
Sonhar, sorrir
Cantar, sambar
E nunca mais ter fim



Oswaldo Sargentelli, sobrinho de Lamartine, prestou-lhe uma homenagem em 1983, com o musical Olê, Olá, na boate Oba, Oba, no Rio, onde 20 mulatas escolhidas a dedo rebolavam e cantavam os antigos sucessos de seu tio famoso, cujas marchinhas e sambas, tão célebres e respeitados, que chegaram a ganhar arranjos de Radamés Gnattali, nunca deixarão de ser cantados, enquanto houver Carnaval.




Lamartine: o rei das marchinhas

VEJA.COM 19/01/2011

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