sábado, 6 de fevereiro de 2016

RODRIGO CAMPOS

Direto de São Mateus



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Uma gratíssima surpresa surgida de uma das regiões mais problemáticas da cidade de São Paulo, o CD São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe (Ambulante Discos) revela o talento de um músico de múltiplos talentos. Rodrigo Campos, 33 anos, que chegou à área aos três anos de idade e por lá passou a infância e adolescência, escreve boas letras, compõe, faz percussão, toca violão e cavaquinho. E faz isso tudo muito bem. Ele estudou teoria musical, ganhou cancha tocando na noite, em estúdios de gravação e shows, acompanhando astros do naipe de Dona Ivone Lara, Paulo Moura, Altamiro Carrilho, Celso Viáfora, Fabiana Cozza  e Maria Rita. Estreou como compositor no disco do grupo Urbanda, que integrou no início dos anos 2000. Tem músicas gravadas pelo Quinteto em Branco e Preto, Mariana Aydar, Fabiana Cozza, Dayse Cordeiro, entre outros.  

Nesse disco de estréia na carreira solo, cada verso insinua um soco no estômago, mas é um afago no coração. Vá lá, há uma monotonia temática, uma modorra de cena sub-suburbana que remete às obras-favela abundantes no meio musical, televisivo e cinematográfico. Mas ao cantar a rotina do jovem trabalhador da periferia, no samba Fim da Cidade, entre bilhar, futebol, samba, metrô e trampo duro, a voz de Rodrigo é macia e sutil como a brisa (Ouça Fim da Cidade como está no disco: http://www.myspace.com/saomateus).

Tudo se ilumina, a dureza cede lugar ao lirismo, quando o amor floresce na Vila Sônia, à beira do campo, sob o som de tropete, baixo eletrônico, piano e flughel (Amor na Vila Sonia). Em Os Olhos Dela, Rodrigo vai para o fundo do palco cuidar do cavaquinho, do violão e do tamborim e deixa sob os holofotes a doçura de Luísa Maita (parceira e colega de Urbanda, veja texto abaixo). Mais dos arrabaldes, trem, café, cancela, bar da estação, romance, amor no chão. Não se engane. O som é suave, mas denso. É de Rodrigo o repique nervoso e o cavaco de centro a nos lembrar que estamos sambando em São Mateus. Vapor, pistola, favela, correria. Rimas com periferia. Um violão de 7 cordas (Edmilson Capelupi) deixa tudo mais clássico em Rua Três. O trombone de Sidnei Borgani anuncia que a briga é de cachorro grande, crônica do dia-a-dia, namoro, minas, bronca e gurufim, cenas em que Rodrigo retorna a São Mateus, mostrando à cidade que o bairro, afinal, não era tão longe assim.


    O CD: São Mateus é ali

Um disco de qualidade e talento inusitados, por trás do mote surrado pela ação pouco inspirada do rap periférico. Com boas letras, bons arranjos, interpretações comedidas, Rodrigo Campos é um artista pronto. Escoltado pela tropa de bons músicos (Beto Villares, João Lenhari, Ubaldo Versolato, Antonio Pinto, Curumin, Benjamin Taubkin, André Édipo, Missionário José e Gui Amabis e os já citados), um time de responsa, ele mostra muito mais do que aprendeu nas rodas de samba do lugar onde cresceu. Mostra que talento não é para qualquer um. Embora redunde no tema da área, Rodrigo Campos é mais que São Mateus. Mesmo que ele não queira.

O bairro
São Mateus é um bairro da Zona Leste de São Paulo distante 22 quilômetros da Praça da Sé, o marco zero. Surgiu de um loteamento criado em 1946 e oficializado dois anos depois pelo prefeito em exercício Milton Improta. É uma das regiões mais pobres da cidade e tem fama de ser um lugar violento. O 49º Distrito Policial figura entre os dez mais movimentados em número de ocorrências graves. Mas São Mateus é um bairro de trabalhadores, que com grande dificuldade se deslocam para trabalhar nas regiões mais centrais da cidade ou estão ocupados no crescente comércio local. Calculam-se em quase meio milhão de pessoas os habitantes da região administrativa da qual São Mateus é sede, gente que luta para ter uma linha do metrô que atenda com algum conforto à demanda por um transporte eficiente. O plano de levar até a região o metrô leve patina e há dois meses foi suspenso o edital para concorrência da obra. Em 2000, o bairro ganhou seu primeiro cartório de Registro Civil e hoje luta pela implantação do fórum na região. Criado em 2000 por Lei Complementar promulgada pelo então governador Mário Covas, ele ainda não foi instalado.


Luísa Maita




Luísa Maita, autora de Madrugada e Amado samba, músicas gravadas no terceiro disco da cantora Virgínia Rosa, brilha no disco de Rodrigo Campos. E quem gostar de sua voz poderá ter mais, pois a cantora e compositora paulista lança seu primeiro álbum, Lero-Lero (Oi Música), hoje, terça-feira. Com influências múltiplas, que vão da música pop e eletrônica ao samba e à bossa nova, o disco terá (além da distribuição no formato tradicional de CDs) suas faixas disponíveis para ser baixadas em formatos digitais (ringtones, truetones, ringbacktones e fulltracks dual delivery com DRM Free – faixas completas – no celular e computador), incluindo o download do álbum completo. Será lançado, também, um aplicativo que possibilitará levar o disco para plataformas Apple (iPhone, iPod touch e iPad). No aplicativo, ainda, notícias, fotos, agenda de shows e uma rádio especial de Luísa, onde os fãs poderão ouvir todas as músicas e assistir a vídeos da cantora.

VEJA.COM 27/07/2010

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