quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

CARLÃO DO PERUCHE

O cardeal do samba



Por Julio Cesar Cardoso de Barros

No dia 11 de setembro, Carlão do Peruche, um dos baluartes do samba paulistano, completa mais um ano de vida, elegante como um mestre-sala, serelepe como quem tomou suco de quiabo e mais ativo do que nunca. Carlos Alberto Caetano nasceu no dia 11 de setembro de 1930, na rua Pirineus, 76, entre a Santa Cecília, os Campos Elíseos e a Barra Funda, redutos do velho samba da paulicéia. Mas seu DNA de samba é da Lavapés, a mais antiga escola de samba paulistana ainda em funcionamento.

Criada na Baixada do Glicério em 1937, a escola ainda participa do carnaval paulistano, desfilando pelo grupo III. Foi lá que Carlão tomou verdadeiro gosto pelo negócio, liderou sambistas ainda adolescente e de onde saiu em 1955, num racha provocado por divergências com a diretoria, para formar sua própria agremiação, a Escola de Samba Unidos do Peruche, fundada em 1956 no bairro da Casa Verde.

Criança ainda, ia às festas de romaria em Pirapora do Bom Jesus, nas franjas da Capital paulista, “às margens do lendário Tietê”, nos dias que antecediam o 6 de agosto, quando as carolas seguiam para a igreja e os marmanjos direto para o barracão, onde “a raça sambava a noite inteira”. Ali aguardavam a chegada do mulherio de rosário nas mãos e todos se integravam em rodas de batuque que alguns dos frequentadores chamavam de bendenguê (“Tinha mulata bonita/ Que dançava o bendenguê”), outros de caxambu, batido no tambu e marcado com os pés no chão de terra nua. Um ritmo com características ora de jongo ora de congado. A mistura se deve à frequência de romeiros negros de diversas regiões do interior do estado e até de Minas. Os que vinham do vale do Paraíba traziam a marca forte do jongo, mais sincopado. Os do oeste paulista e de Minas traziam o sotaque do caxambu, do samba-lenço e do congado, predominando a marcação do tambu, mais socada. A roda integrava as diferenças numa só batida, resultando no que foi chamado também de samba de bumbo ou samba rural paulista. Carlão acredita que o pai jamais chegou a entrar na igreja. Ele mesmo só o fez depois de adulto e acompanhado dos próprios filhos. Até então, Pirapora para ele era uma romaria profana, que começava e acabava na batucada. A festa foi enredo da Peruche, em 1971, com samba antológico de Geraldo Filme.

    Baluarte do Samba Paulistano

A primeira escola pela qual Carlão desfilou foi a Flor do Bosque, do Bosque da Saúde. Depois, a Lavapés, em seguida o Peruche, que logo no primeiro ano ganhou o desfile do terceiro grupo (3ª categoria). Passou dois anos no segundo grupo e em 1959 a agremiação chegou ao grupo principal, onde foi campeã pela primeira vez em 1961. No concurso realizado nos anos 60 no bairro da Lapa, a escola foi tricampeã de 1965 a 1967, seguindo-se quatro vice-campeonatos, de 1968 a 1971. De lá para cá a escola não venceu mais o grupo principal e chegou a ser rebaixada algumas vezes, voltando sempre no ano seguinte, com a conquista do campeonato ou do vice-campeonato no Grupo de Acesso.

    Embaixador Mestre do samba

Carlão é considerado um dos cardeais do samba de São Paulo, tendo participado do processo de oficialização do carnaval de rua, em 1968, durante a prefeitura de Faria Lima, ao lado de Inocêncio Mulata, da Camisa Verde e Branco, de Pé Rachado, da Vai-Vai, de Dona Eunice, da Lavapés, de Xangô, da Unidos de Vila Maria, de Mala, da Acadêmicos do Tatuapé, de Alberto Alves, o Nenê de Vila Matilde, de Rômulo, do cordão Fio de Ouro, de Sinval, da Império do Cambuci, de Zézinho, do Morro da Casa Verde e outros dirigentes de escolas, blocos e cordões da cidade. Participou da fundação da Associação das Escolas de Samba, no final dos anos 60, e de sua sucessora, a União das Escolas de Samba Paulistanas, em 1973. Nos anos 80, Carlão se afastou das obrigações burocráticas e passou a cumprir funções protocolares da agremiação. Foi eleito Cidadão Samba, em 2000, foi condecorado Embaixador Mestre do Samba de São Paulo e eleito presidente do Conselho Diretor da Associação Independente Cultural da Velha Guarda do Samba do Estado de São Paulo. Hoje, comanda a Velha Guarda da escola, uma criação sua para abrigar os sambistas da antiga que ainda querem desfilar no sambódromo.

    Unidos do Peruche, orgulho de Carlos Alberto Caetano: cores da bandeira do Brasil

Carlos Alberto Caetano foi um dos mais destacados cartolas do samba paulistano, mas começou como ritmista, ensinou muita gente a bater no couro. É grande partideiro, com talento para improvisar versos pitorescos (“Que enterro vagaroso/Foi um caso muito sério/ O defunto se invocou/ E foi a pé pro cemitério”) e compor refrões inusitados, como este, na linha do ão: “Não, não, não, não/ No rabo do macaco ninguém põe a mão/ Não (não não), não (não não), não/ No rabo do macaco ninguém põe a mão”. É dele boa parte dos sambas de quadra e de exaltação à escola (“Quem é você para falar mal do Peruche/ Escola da paz e do amor/ Escola que Jesus abençoou/ Eu vou lhe pedir o favor/ De tratar o meu Peruche com amor”). Carlão é também um salgueirense honorário. Nos anos 70 tirou férias forçadas em Sampa e desfilou pela escola carioca, na qual pelas mãos do sambista Jorge Cardoso fez amigos entre o povo da antiga. É de sua autoria um dos melhores – e pouco conhecidos – sambas em homenagem à escola da Tijuca (“Não repare nessa melodia/ A ti oferecida/ Salgueiro és minha escola querida”). Alto, esguio, aparentando muito menos anos de vida do que os 84 que completa agora, é generoso com os mais novos e os recém chegados. Homem de vida regrada, Carlão nunca se envolveu com vícios, não bebe mais que um copo de cerveja para fazer companhia a algum amigo. Razão pela qual mantém uma forma física privilegiada nessa altura da vida.

VEJA.COM 02/09/2010

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