segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

CABEÇA INCHADA

Diplomados em matéria de sofrer


Por Julio Cesar Cardoso de Barros

Uma crítica da qual os compositores sertanejos são vítimas é a que os acusa de só fazer músicas chorosas, do homem traído ou não correspondido. Mas a música de dor-de-cotovelo não é privilégio dos caipiras. Os sambistas também são mestres na arte da choradeira. O compositor baiano Batatinha (Oscar da Penha, 5 de agosto de 1924-3 de janeiro de 1997), em Diplomacia, dá o tom que boa parte dos grandes nomes do samba canta:

Meu desespero ninguém vê
Sou diplomado
Em matéria de sofrer


 Batatinha: diploma em sofrimento

Se o sofrimento cantado pelo baiano tinha fundamento nas dificuldades da vida em geral, Nelson Cavaquinho, grande nome do samba carioca, cantou poesia das mais refinadas em matéria de decepção amorosa, em A Flor e o Espinho, letra do parceiro inseparável Guilherme de Brito:

Tire seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor

O mesmo se pode dizer do compositor Talismã (autor de Meu Sexto Sentido, gravado por Beth Carvalho), conhecido pela delicadeza no trato, que cantou assim as mágoas de um relacionamento:

És um peso morto desabado em mim
Fardo de que não posso me desvencilhar
És uma aranha e eu caí na tua teia
Minha alma anseia por se libertar

Monarco, da Velha Guarda da Portela, é outro especialista na choradeira de amante infeliz. Em Proposta Amorosa ele se lamenta:

Por que viestes
Com proposta amorosa?
Eu que vivia
Num perfeito mar de rosas
Só conheci falsidade
Em lugar de carinho
No meio das flores
Quiseste levar-me
Ao monte de espinhos
Não conseguiste
O intento mesquinho

Monarco se junta a Chico Santana, para chorar no samba Lenço:

Não me fale de amor
Nem me peça perdão
Eu não vejo honestidade em seu semblante
Falsidade, isto sim, eu vi bastante

A dupla fez ainda a forte Mulher Perversa, um belo samba gravado por Zeca Pagodinho:

Perversa, arruinou a minha vida
Esquecendo as bondades que lhe fiz
Hoje ela volta chorandoImplorando perdão
Trago em meu peito
A marca da ingratidão
Os dias foram passando
Quanto eu sofriMulher perversa
Como essa eu nunca vi


      Chico Santana: Mulher Perversa

 Paulinho da Viola, elegante e discreto, entra com classe por esse caminho lamentoso em Tudo Se Transformou, em que faz uma revelação dramática:

Ela declarou recentemente
Que ao meu lado não tem mais prazer

Fabiana Cozza canta Tudo Se Transformou:
httpv://www.youtube.com/watch?v=2M-3PcMxfgI&feature=related

Paulinho ainda padece com as dores do coração em  Coração Leviano:

Ah, coração, meu engano
Foi esperar por um bem
De um coração leviano
Que nunca será

Em Praça Clóvis, o paulista Paulo Vanzolini agradece a ajuda do punguista:

Na praça Clóvis
Tinha vinte e cinco cruzeiros
E o teu retratoVinte e cinco
Eu, francamente, achei barato
Pra me livrarem
Do meu atraso de vida

Jorge Aragão e Ivone Lara, duas gerações do samba, se unem para lamentar um caso que acabou mal, em Tendência:

Você entrou na minha vida
Usou e abusou, fez o que quis
E agora se desespera
Dizendo que é infeliz
Não foi surpresa pra mim
Você começou pelo fim
Não me comove o pranto
De quem é ruim


      Jorge Aragão: o pranto não comove

Em Palácio de Madeira, Carlos Magno acreditou no que não devia, mas a experiência lhe valeu:

Ela jurou
Me dar o seu amor
Por toda a eternidade
Cheguei a ser um crente
Que a felicidade
Ia fazer morada no meu coração
Mas aquela jura
Despedaçou depressa
Nem durou um ano
Acreditei à bessa
Naquele ser humano
Que só serviu de livro
Pra me dar lição
  
David Corrêa, o excelente autor de sambas-enredo, também derrama lágrimas, em Mel na Boca:

Pode parar com essa idéia
De representação
Os bastidores se fecharam
Pra desilusão
É mentira
Cadê toda promessa
De me dar felicidade?
Bota mel na minha boca
Me ama, depois deixa saudade


      David Correa: mel na boca

Cabana, outro portelense, escreveu e Martinho da Vila gravou essa pérola:

Se depender de mim
Para você viver
Pode encomendar o seu caixão
Não lhe darei
Uma colher de chá
Enquanto eu me lembrar da traição
Que você me fez, sem eu merecer
Dando muito que falar
Porém, no entanto
Nem derramo pranto
Quando tenho que me lembrar


Sambistas e caipiras choram tanto quanto tangueiros e boleiristas. Se todos fossem iguais a Nelson Sargento, compositor da velha guarda mangueirense, dono de um humor invejável na altura de seus 86 anos de idade, tirariam de letra as derrotas do leito, como ele faz em Falso Amor Sincero:

O nosso amor é tão bonito
Ela finge que me ama
E eu finjo que acredito
Ela finge que me ama
E eu finjo que acredito

O nosso falso amor é tão sincero
Isso me faz bem feliz
Ela faz tudo que eu quero
Eu faço tudo o que ela diz

Isso me faz bem feliz
Ela faz tudo que eu quero
Eu faço tudo o que ela dizAqueles que se amam de verdade
Invejam a nossa felicidade

Invejam a nossa felicidade


Ouçam a melodia, com Nelson Sargento:

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