segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

ROBERTA SÁ

Uma releitura (isso mesmo!) de Roque Ferreira

Roberta Sá e Madeira Brasil: um trabalho precioso

Por Julio Cesar Cardoso de Barros

A cantora Roberta Sá lançou Quando o Canto é Reza, seu quarto CD, em parceria com o excelente Trio Madeira Brasil (Marcello Gonçalves, Zé Paulo Becker e Ronaldo do Bandolim) com 13 músicas do compositor baiano de Nazaré das Farinhas, Roque Ferreira, 63 anos. Entres as 13 faixas do disco, algumas manjadas, como Água da Minha Sede, uma parceria com o carioca Dudu Nobre, que deu título a disco de Zeca Pagodinho. O disco é produzido por Pedro Luís com direção musical de Marcello Gonçalves e reúne os ritmos nordestinos com que o baiano Ferreira costuma brindar os apaixonados pelo seu som, incluindo maxixes, maracatus e sambas-de-roda. A idéia do trabalho surgiu a partir de um documentário que o cineasta Felipe Lacerda começou a rodar em 2009, com participação de Roberta Sá, Pedro Luís e Marcello Gonçalves.


O CD: sambas-de-roda

 Publicitário e escritor, Roque Ferreira foi lançado na carreira de compositor por Clara Nunes, que em 1979 gravou de sua autoria, em parceria com Edil Pacheco e Paulinho Diniz, o samba Apenas Um Adeus. Depois disso, foi gravado por Beth Carvalho, João Nogueira, Maria Bethânia e outros intérpretes do primeiro time da MPB. Apesar da qualidade das músicas e dos intérpretes deQuando o Canto é Reza, houve quem torcesse o nariz para o tratamento dado ao disco, com arranjos fartos de cordas e menos socados do que o pilão tradicional do samba-de-roda costuma exibir. Trataram Ferreira como um ovo de indez, que fica ali paradão, cumprindo uma missão imutável e necessária à preservação do gênero. Houve quem procurasse marcas da cultura afro-brasileira na edição, sem grandes resultados. O próprio autor fez ressalvas ao tratamento dado às suas canções. Quando Marisa Monte pegou um dos melhores sambas-enredos dos anos 70 (A Lenda das Sereias, Rainhas do Mar, Império Serrano, 1976) e o transformou numa ladainha chorosa (que alcançou grande sucesso), ninguém achou que ela estava violando a matriz. Ou quando Elis Regina fez o mesmo, décadas antes, com Alô, Alo! Taí Carmen Miranda (também do Império Serrano, campeão de 1972). Talvez porque não vejam o samba-enredo como uma variedade nobre do gênero, distante dos canônicos sambas-de-roda do Recôncavo, raízes do samba carioca. Convenhamos, o disco só faz sentido porque Roberta Sá e o Trio Madeira Brasil imprimiram sua marca na interpretação das músicas de Ferreira. Eles não são “autênticos” intérpretes de sambas-de-roda dos terreiros baianos. São artistas com perfil autoral e não cantadores do folclore, palhaços da folia ou figurantes anônimos dos fandangos nordestinos. O disco é, até por isso, primoroso. Roberta Sá pode cantar cada faixa do álbum sem ter de descer do salto e pisar a poeira crua com os pés nus, arrastando o “sári pelo mercado”. Mas pode até fazê-lo, se quiser. Como negar que Mandigueiro preserva sua pureza, apesar das aranhas de um violão soberbo em arranjo de tirar o fôlego? As mesmas cordas fartas introduzem Chita Fina para a Rosa da roseira de Sinhá girar com gosto ao contraponto badolineiro do Trio, que sobra mais uma vez. Roque Ferreira é um grande compositor dos sons de sua terra, mas a elaboração de suas composições, letra e música, dele e de parceiros, são uma superação da raiz tão cuidada e protegida no papel quanto deixada ao Deus dará no rés do chão baiano.

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